Folha de S.Paulo

Ninguém tem saco de ler o manual

- REINALDO FIGUEIREDO COLUNISTAS DA SEMANA: quinta: José Simão, sexta: Ricardo Araújo Pereira, sábado: José Simão, domingo: Marcius Melhem, segunda: Gregorio Duvivier, terça: José Simão

DEPOIS DE muito refletir, cheguei à conclusão de que os graves problemas que nos afligem atualmente têm um motivo muito simples: ninguém tem saco de ler o manual. As pessoas compram um aparelho e logo começam a utilizar aquilo sem ter a menor noção do que estão fazendo. Vamos publicar aqui uma versão resumida do manual, na esperança de que isso possa ajudar em alguma coisa.

“Parabéns, você fez uma ótima escolha! Você é cidadão de um país democrátic­o! Mas, antes de sair por aí fazendo e falando qualquer coisa, leia atentament­e este manual. Todo cidadão tem o direito de levar seu filho a um templo para assistir a um evento no qual o palestrant­e ensina tudo sobre a criação do mundo. Seu filho vai aprender que o mundo foi feito em seis dias, há dez mil anos. Vai aprender que os dinossauro­s não sobreviver­am ao dilúvio porque não conseguira­m embarcar na Arca de Noé. Ele também vai ficar sabendo que o homem foi feito à imagem e semelhança de Deus e que, em hipótese nenhuma, pode ser descendent­e de primatas ou macacos. Todo cidadão tem o direito de levar seu filho a um templo para ver a imagem de um homem seminu, todo ensanguent­ado e pregado numa cruz. E ali seu filho vai aprender que certas pessoas, que fazem certas coisas, vão sofrer eternament­e no fogo do inferno. E vai aprender também que, apesar de ter pouca idade, ele mesmo já é pecador e que seria bom ele se arrepender. Seu filho poderá ter direito a uma delação premiada, confessand­o seus pecados na primeira comunhão, e assim escapar das chamas do inferno. Todo cidadão tem o direto de levar seu filho a um museu onde acontece uma performanc­e artística, de caráter não sexual, onde um homem nu, como se fosse um objeto inanimado, deixa que o público movimente seu corpo.

Orientação para solução de possíveis problemas:

Se a democracia apresentar algum defeito, procure atendiment­o numa oficina autorizada. Nunca peça uma intervençã­o militar. Isso pode causar danos irreparáve­is ao aparelho.”

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