Folha de S.Paulo

Segue o baile

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A classe artística que ora se mobiliza para protestar contra a censura a exposições, peças e outras manifestaç­ões culturais poderia abrir um pouco mais o leque para incluir um gênero que vem sendo censurado há mais tempo e com mais vigor: o funk carioca.

Como aconteceu com outros ritmos negros de periferia —notoriamen­te, o samba—, o funk foi discrimina­do desde sua origem. Os próprios sambistas protestara­m quando ele passou a ser a expressão preferenci­al da juventude das favelas. Viamno como uma música menor e temiam pela falta de renovação no samba —o que não aconteceu; ao contrário, os dois gêneros se encontrara­m, não raro com bons resultados.

Quando o funk desceu o morro rumo às boates da elite, festas de casamento e de aniversári­o, programas de TV e de rádio, quem reagiu foi a mesma turma que atualmente mira as exposições. Acusaram-no de pornográfi­co, de criminoso, exatamente como fazem agora com quadros e performanc­es.

Mas a censura ao funk foi muito pior, porque não se restringiu a conservado­res e moralistas indignados. Ela veio armada, por meio dos PMs que atuam em comunidade­s. Desde a instalação das Unidades de Polícia Pacificado­ra, sucederam-se relatos de proibição de bailes. Quem decidia se eles podiam acontecer ou não eram os comandante­s das UPPs —e isso foi aceito passivamen­te pela população do asfalto, em nome da “pacificaçã­o” cujos resultados se veem hoje.

Em muitas favelas, não há nem sequer diálogo: vídeos e fotos postados em redes sociais mostram “caveirões” da PM destruindo equipament­os de som e acabando com as festas. Tiros e granadas também são usados. Só nos últimos seis meses houve ao menos cinco casos desses, segundo registro do Defezap, projeto on-line que recebe denúncias de violência policial. marco.canonico@grupofolha.com.br MATIAS SPEKTOR

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