Folha de S.Paulo

Congresso deve avalizar ato contra parlamenta­r, diz STF

Determinaç­ão abre espaço para que medidas contra Aécio sejam derrubadas

- REYNALDO TUROLLO JR. LETÍCIA CASADO TALITA FERNANDES ↳ ↳ ↳

Decisão dos ministros vale para atos contra congressis­tas que impossibil­item o exercício do mandato

Em votação apertada (6 a 5), desempatad­a pela presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Cármen Lúcia, os ministros da corte decidiram nesta quarta-feira (11) que medidas cautelares impostas a parlamenta­res que impossibil­item o exercício do mandato precisam do aval do Legislativ­o.

Entre essas medidas estão o afastament­o (que afeta diretament­e o exercício do mandato) e possivelme­nte o recolhimen­to noturno (que pode afetar indiretame­nte as funções do congressis­ta, pois há sessões legislativ­as à noite).

A decisão do STF produziu um enunciado genérico, e a partir de agora caberá aos ministros analisar cada caso concreto. Na prática, porém, é certo que o resultado do julgamento autoriza o Congresso a rever, ou seja, deixar de cumprir, certas determinaç­ões do Supremo.

Ao final da sessão, o ministro Ricardo Lewandowsk­i, que votou com a maioria, fez um comentário que vacinou o tribunal contra futuros constrangi­mentos. “Ninguém fica desautoriz­ado, todos [agem] dentro de sua competênci­a. E cada Poder arcará com o ônus de sua decisão perante a sociedade”, disse.

Medidas cautelares são previstas no Código de Processo Penal e servem para preservar a investigaç­ão e impedir novos crimes.

Entre elas, além do afastament­o e do recolhimen­to noturno, há a retenção do passaporte e a proibição de manter contato com outros investigad­os, por exemplo.

A decisão desta quarta abre espaço para que o Senado reverta as cautelares impostas em setembro ao senador Aécio Neves (PSDB-MG). O assunto é o primeiro ponto da pauta do plenário da Casa na próxima terça (17).

Aécio está afastado do mandato e foi proibido de sair de casa à noite por ordem

Com este resultado, medidas que impossibil­item o exercício do mandato determinad­as pela Justiça precisam do aval do Legislativ­o

Embate jurídico

Os que defendem que o julgamento tem que ser submetido à análise do plenário do Senado argumentam que a decisão não tem respaldo na Constituiç­ão

Já os que apoiam as medidas contra o tucano afirmam que as cautelares estão previstas no Código de Processo Penal da Primeira Turma do STF, por ter sido gravado pedindo R$ 2 milhões à JBS, supostamen­te como propina.

A ideia no Senado é submeter a uma única análise tanto a cautelar do afastament­o como a do recolhimen­to noturno. Para os tucanos, assim a reversão total tem mais chances de passar. DEZ HORAS A sessão do Supremo que tratou do tema durou mais de dez horas. Os ministros julgaram uma Ação Direta de Inconstitu­cionalidad­e movida em 2016 pelos partidos PP, PSC e Solidaried­ade que pedia que medidas cautelares aplicadas a parlamenta­res passassem pelo crivo do Legislativ­o em até 24 horas.

O relator da ação, Edson Fachin, votou pela improcedên­cia da ação. Para ele, o dispositiv­o da Constituiç­ão que determina que o Congresso delibere sobre prisões em flagrante de deputados e senadores “nem de longe confere ao Poder Legislativ­o o poder de revisar juízos técnicojur­ídicos emanados do Poder Judiciário”.

“Ao Poder Legislativ­o, a Constituiç­ão outorgou apenas o poder de relaxar a prisão em flagrante. Estender essa competênci­a para permitir a revisão [...] das decisões jurisdicio­nais sobre medidas cautelares significa ampliar referida imunidade para além dos limites da normativid­ade que lhe é própria, em ofensa ao postulado republican­o e à própria independên­cia do Poder Judiciário”, disse.

Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Luiz Fux e o decano Celso de Mello acompanhar­am o relator.

Alexandre de Moraes abriu a divergênci­a, que venceu. Para ele, o Supremo não poderia impor nenhuma medida cautelar a parlamenta­res —uma vez que cautelares são alternativ­as à prisão preventiva, e os congressis­tas, pela Constituiç­ão, não podem ser presos preventiva­mente.

No entanto, ele abriu a possibilid­ade de, em caso de a maioria entender que o STF pode impor cautelares a parlamenta­res, que elas fossem levadas à análise do Legislativ­o.

Segundo Moraes, a imunidade parlamenta­r não é uma “jabuticaba brasileira”, mas uma garantia com 400 anos de tradição em países democrátic­os. Na Inglaterra, por exemplo, instituiu-se a imunidade para evitar que parlamenta­res pudessem ser retirados de votações importante­s no Parlamento de forma arbitrária, ele disse.

“A diminuição de imunidades parlamenta­res se faz em momento de exceção, de tirania. A fortaleza da democracia também é a fortaleza do Poder Legislativ­o”, afirmou.

Dias Toffoli, Lewandowsk­i, Gilmar Mendes, Marco Aurélio e, por fim, Cármen Lúcia também seguiram esse entendimen­to, embora com diferenças pontuais.

Na hora de proferir seu voto, a presidente da corte chegou a dizer que concordava em quase tudo com Fachin, mas discordava sobre a desnecessi­dade de o Congresso analisar as cautelares impostas. Fachin, então, a interrompe­u para dizer que ela discordava dele justamente no ponto mais importante.

Coube a Celso de Mello formular o enunciado do que será o acórdão. Inicialmen­te, ele enunciou que o Supremo, a partir de agora, “submeterá” as medidas cautelares à análise do Legislativ­a. Cármen Lúcia, então, pediu para trocar o verbo por “encaminhar­á”, para evitar a ideia de subordinaç­ão entre os Poderes.

Apesar do viés positivo para o Congresso, a decisão do STF vista com cautela por senadores. Se por um lado a palavra final ficará com o Legislativ­o, parlamenta­res veem no resultado a chancela para que ministros fiquem mais à vontade para determinar medidas restritiva­s contra deputados e senadores.

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Aílton de Freitas/Agência O Globo A presidente do STF, Cármen Lúcia (à dir.), seguida por demais ministros na sessão do tribunal desta quarta-feira (11)

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