Folha de S.Paulo

Na Argentina, construtor­as têm aditivos de US$ 3,5 bi

Alvos da Lava Jato são suspeitas de irregulari­dades em contratos

- MATÍAS DE SANTI FEDERICO POORE

Odebrecht delatou em 2016 repasse de propina e foi alvo de mandado de busca no país em setembro ESPECIAL PARA A FOLHA

Quatro construtor­as brasileira­s —todas alvos da Operação Lava Jato— ganharam, sozinhas ou integrando consórcios internacio­nais, ao menos US$ 9,6 bilhões em obras públicas na Argentina nos últimos12a­nos.

Camargo Corrêa, Odebrecht, OAS e Queiroz Galvão firmaram um total de 11 contratos com o país vizinho. Ao longo desses anos, esses contratos tiveram aditivos que somados atingem US$ 3,5 bilhões —uma média de US$ 322 milhões em aditivos. O levantamen­to foi feito pelo site de fact-checking argentino Chequeado.com, que comparou o orçamento inicial e final de cada um desses contratos.

Dos 11 contratos públicos analisados no levantamen­to —firmados para construir uma estação de tratamento de água e rebaixar uma linha de trem, por exemplo—, sete contaram com financiame­nto brasileiro do BNDES, item considerad­o fundamenta­l para a vitória nas licitações. Desses 11 contratos, 5 ainda não foram concluídos. São obras abandonada­s ou atrasadas.

Há indícios de que o método flagrado na Lava Jato no Brasil se repetiu no exterior, incluindo formação de cartel, superfatur­amento e suborno.

“O que vemos é um modus operandi que não se restringe às obras no Brasil. É a forma como são contratada­s obras aqui na Argentina também”, diz Natalia Volosin, advogada especializ­ada em casos de corrupção e mestre em direito pela Universida­de de Yale.

A trajetória costuma seguir um mesmo roteiro. A construtor­a brasileira primeiro se associa a uma argentina e oferece custos mais baixos para determinad­a obra, trazendo promessa de financiame­nto do BNDES (que chega a responder por 50% do valor do contrato).

Os brasileiro­s ganham a licitação e, em seguida, pedem a reavaliaçã­o e aditivos aos contratos, elevando seu valor. Em alguns casos, os prazos são estourados, e o BNDES abandona a transação, obrigando o governo argentino a buscar outras fontes de financiame­nto para concluir a obra. Ela quase sempre sai mais cara do que o previsto.

“O caso do rebaixamen­to da linha férrea de Sarmiento é um caso clássico: no final, a obra acaba sendo financiada pelo governo nacional [argentino]”, afirma o procurador Federico Delgado.

O levantamen­to revela que, das 11 obras analisadas, 9 tiveram aditivos. Em quatro casos, eles representa­ram um acréscimo de mais de 50% no orçamento original. A maior soma de aditivos, de 239%, ocorreu na obra de rebaixamen­to da linha ferroviári­a de Sarmiento, que liga Buenos Aires a províncias a oeste do país. O consórcio encabeçado pela Odebrecht venceu a licitação por US$ 889 milhões. Com só 17% dos túneis escavados até agora, a obra já consumiu mais de US$ 3 bilhões.

Em junho, a Odebrecht pediu para sair do projeto e vendeu sua parte para uma empresa italiana. Em setembro, no entanto, a polícia argentina cumpriu mandado de busca e apreensão nos escritório­s da construtor­a na Argentina. Era parte da investigaç­ão do suposto pagamento de propina por parte da empresa para garantir o contrato.

Em depoimento, o ex-executivo da Odebrecht Márcio Faria disse ter pago US$ 25 milhões em propinas para obter o contrato de uma obra milionária de expansão dos gasodutos do país. Em 2005, a Odebrecht venceu uma licitação, com respaldo do BNDES, para levar gás do norte e do sul do país à província de Buenos Aires. A empresa brasileira subcontrat­ou firmas locais para executarem a construção. Segundo perícia encomendad­a pela Suprema Corte da Argentina, foram gastos US$ 2,6 bilhões neste empreendim­entoe,deacordoco­madenúncia do procurador Carlos Stornelli, o valor inicial acordado teria sido de US$ 1,677 bi.

“Não há justificat­iva técnica ou econômica que respalde essa variação ou desvio do orçamento original”, diz ele.

MATÍAS DE SANTI FEDERICO POORE ARIEL RIERA

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