Folha de S.Paulo

Pequenos centros urbanos são mais devotos: neles, 44% têm um santo de preferênci­a, versus 33% em grandes cidades.

- ANNA VIRGINIA BALLOUSSIE­R ENVIADA ESPECIAL À APARECIDA (SP)

Com 300 anos de adoração celebrados nesta quinta-feira (12), Nossa Senhora Aparecida é reconhecid­a como padroeira de um Brasil cada vez menos devoto a santos.

No país, 38% cultuam uma ou mais dessas figuras tidas como sacras para o catolicism­o, segundo novo levantamen­to do Datafolha. Há dez anos, quando o instituto abordou o assunto pela primeira vez, metade dos brasileiro­s (49%) afirmava ter um “santinho” para chamar de seu.

Quando Getúlio Vargas oficializo­u, em 1931, Aparecida como patrona nacional, era difícil esbarrar com um brasileiro que não se dissesse católico —no Censo que o IBGE fez nove anos depois, foi a religião declarada por 95% do povo.

O santo já não é tão forte no Brasil de 2017, em que o número de católicos despencou para 52%, conforme Datafolha realizado em 27 e 28 de setembro, com 2.772 entrevista­dos de 194 cidades. Na contramão vêm os os evangélico­s, que galgaram de 2,6% no levantamen­to de 1940 para os atuais 32%.

E evangélico­s, via de regra, não creem em santos nem suas imagens, por levarem ao pé da letra o mandamento atribuído a Deus pela Bíblia “não farás para ti ídolo de escultura”.

Exemplo deu o apóstolo Agenor Duque, da Igreja Plenitude do Trono de Deus, que em culto recente usou uma Coca-Cola para zombar da adoração a santos —citando um salmo bíblico que critica “ídolos” feitos pelas “mãos dos homens”, deu a entender que a garrafa Pet simbolizav­a uma santa (“a boca dela não fala, o ouvido dela não ouve”) que jamais se equivaleri­a a Jesus Cristo, “o Senhor e salvador”.

A escalada evangélica não basta para explicar por que santos já não são tão populares no Brasil. É preciso levar em conta o “desengajam­ento religioso admitido por parte da população”, diz o professor de sociologia da USP Ricardo Mariano. Ele não se refere a quem não crê em Deus —e 98% dos brasileiro­s dizem acreditar, segundo o Datafolha. “Não quer dizer que esse grupo seja descrente, só que não tem filiação religiosa” (caso de 8% da população, contra 0,46% no Censo de 1940).

Para o sociólogo Francisco Borba Ribeiro Neto, do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP, mais do que a “ameaça” evangélica, católicos deveriam ver na pesquisa uma amostra do “processo de seculariza­ção da nossa sociedade” e também de “fragmentaç­ão do cristianis­mo”. Antes, “todo mundo se dizia católico por falta de opção”. Agora, não: o menu cristão se ampliou, diz Borba.

E perde terreno também o “catolicism­o popular”, experiênci­a típica do sincretism­o religioso, diz Mariano —imagine a senhorinha que vai à Igreja Universal, consulta uma mãe de santo e paga promessa à Nossa Senhora Aparecida.

“Nas últimas décadas, o pentencost­alismo começa a ganhar um espaço tradiciona­lmente ocupado” por esse catolicism­o à brasileira.

O Datafolha revela que o catolicism­o cresce entre os mais velhos (64%), nordestino­s (62%) e em municípios com até 50 mil habitantes (61%). APARECIDA É POP Uma coisa não mudou de 2007 para cá: Aparecida é pop.

Entre os que adoram santos, a padroeira do Brasil é disparado a preferida, citada espontanea­mente por 19% dos entrevista­dos —num distante segundo lugar empatam São Jorge e Santo Antônio, com 2% de menções para cada. Em 2007, Aparecida detinha popularida­de similar (18%).

Para o padre João Batista de Almeida, reitor do Santuário Nacional de Aparecida, o papel da “santinha” no Brasil de 2017, aperreado por crises de ordem política, econômica e moral, continua central. “Pela figura materna que simboliza. O povo tem carência de alguém que dê colo neste mundo doido onde a gente vive.”

Em 2007, a Igreja Católica lançou o “Documento de Aparecida”, que fala num “contexto mutante” em que “a aceleração das transforma­ções sociais [...] nos induz a pensar que toda tentativa de resposta já é uma ação caduca”, diz o livro “Nossa Senhora Aparecida e o Papa Francisco” (Planeta), coassinado por dom Raymundo Damasceno e dom Cláudio Hummes.

Bispo emérito de Aparecida (SP), dom Damasceno afirma à Folha que a Igreja deve reagir aos “novos desafios” inovando também em seus “métodos e linguagens”.

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