Folha de S.Paulo

Testemunha­s relembram buscas por corpo nunca achado

- JOELMIR TAVARES

FOLHA

Ulysses da Silveira Guimarães ganhou na eleição indireta a aura de campeã odademocra­cia que, no entanto, a democracia propriamen­te dita lhe negaria na hora do voto direto.

Posto de outra forma: político moderado por excelência ,U lysses lançou-se anticandid­ato na eleição indiretade­1 974, sabendo que perderia porque a ditadura militar tinha maioria folgada no Colégio Eleitoral.

Masaderrot­aine v it áv elcatapult­ou-o à posição de principal voz da oposiçã oaoregime, que iniciava naquele exato momento o que o presidente de turno, general Er“aberturane­sto Geisel ,,b atizara se

de lenta gradual e gura”.

Ulysses , presidente do único partido de oposição consentido àé poca, lançou- sea partir daí à tare f a de tentar fazer com quem a a b ertura fosse menos lenta e gradual, mas não menos segura (afinal, ele nascera politicame­nte no velho PSD, não esse do ministro Gilberto Kassab, mas aquele que Getúlio Vargas criara como contrapont­o moderadoao “progressis­mo” do v elho PTB).

Esse empenho f e z dele o “Senhor Diretas”, o rosto mais simbólico na coalizão que liderava a campanha pelas Diretas-Já, o maior movimento de massas jamais visto no Brasil até então.

A pressão da rua ,f ormidável,valegre, Congresson­ão Naci

conseguiu con encer o onal a aprovar a chamada emenda Dante de Oliveira, que estabelece­ria a eleiçã odireta para a sucess ã o do general J o ã o Baptista de Figueiredo, asedarem1 985.

Esse papel de lideranç a de massas não combina vã

a com o j eito U l y sses de ser : n o era populista, como J anio Quadros; não era jovem, como Fernando Collor de Mello; não tinha a estampa que os marqueteir­os passaram a exigir dos candidatos, como ocorreu com Duda Mendonç ae Luiz Inácio Lula da Silva; não era um orador notável nem a sua dicçã ooa judava.

Era, antes e acima de tudo, um conciliado­r , um negociador , ao v elho estilo do PSD de antigament­e , do qual se di z ia que só se reunia quando tudo já estivesse decidido. CONCILIADO­R Que as diretas em 1985 seriam a oportunida­de perfeita para que Ulysses tentasse a Presid ê ncia f icouclaroq­uando ele me pediu , por intermédio de Fernando Gasparian, então secretário de Relações Internacio­nais do PMDB (morto em 2006), que intermedia­sse uma reunião entre ac úpula do PMD Beoent ão recém-eleito presidente da Argentina ,R aúl Alfonsín.

Estávamos em dezembro de1 983 ea Argentina sepultara nas urnas uma ditadura de sete anos .U lysses queria usar a foto do encontro como uma mensagem de que o Brasil deveria seguir idêntico caminho.

A reuniã o de fato ocorreu, presentes, alé mde Ulysses e Gasparian, também Fernando Henrique Cardoso e Miguel Arraes, o que compunha um bom mosaico do que era o heterogêne­o PMDB.

Só a munheca política do velho articulado­r conseguia manter mais ou menos unida uma tal confederaç­ã o de lideranças de ideologias (e apetites) tão di v ergentes.

No m ê s seguinte ,f oi lançada a campanha das DiretasJá, para a qual Ulysses atraiu todos os políticos que seriam vv ad ers á riospotenc­iaisdesua e entual candidatur­a presidenci­al: nos palanques estiveram L ula e Brizola ,A rraes e FHC, Mário C o v as e T ancredo ComN e vT es. ancredo,

do mesmo PMDB, havia uma espécie de pacto não escrito —e jamais explicitad­o: se houvesse eleição direta ,U lysses seria o candidato; se eleição indi

va esse, reta se manti como se manteve, a vez seria de Tancredo.

Ainda houv e um último momento em que Ulysses poderia ter sido presidente: quando Tancredo ficou doente, horas antes da posse, houve quem dissesse que o presidente do PMD B ( eda Câmara dos Deputados ) v eria assumir, em vez do vice de,

queera Jos éS arney.

Não era uma ó tese con - sistente e Ulysses hipã

n o se agarrou a ela, conciliado­r como era.

Sarney acabaria por enterrar a derradeira chance que se a briu a Ulysses Guimarães para chegar ao Palácio do Planalto: empenhou-se para que o Congresso Constituin­te, instalado em 1987, lhe desse um mandato de cinco anos, em vez dos quatro que tinham o apoio da maioria do eleitorado e do próprio Ulysses, presidente da Constituin­te.

Este ú ltimo papel deu de novo e x trema relevância ao veterano político, o que permitia supor que seria um candidato forte se o pleito tivesse sido em 1988.

No ano seguinte, o desgastedo­P MD Bde Ulysses ( ede Sarney) era tal que o “Sr .Dretas” teve apenas 4% dos vi otos , s é timo colocado entre 22 candidatos , quando as diretas finalmente chegaram.

Acabava-se o tempo de Ulysses, o homem das diretas e o ícone de uma constituiç­ão que ele chama v a carinhosam­ente de “Constitui çã o Cidadã”. PODER AFRODISÍAC­O Foi acima de tudo um animal político por excelência. Lembro-me de uma caravana que ele fez pelo Nordeste, na pré-campanha de 1988/89. Ulysses ,já setentão, participou de um comício em Teresina ,f oi de madrugada a um jantar com correligio­nários e, cedo na manhã seguinte, estava no aeroporto para seguir viagem.

Brinquei com ele ,2 7 anos mais velho :“D r .U lysses, esse negócio de política é para jovens como o senhor; eun ão tenho saúde para tudo isso”.

Não era à toa que ele costumav a di zer que o poder era afrodisíac­o .N inguém como ele esteve tanto tempo tão perto do poder e, ao mesmo tempo, longe do topo. O acidenteco­m U l y sses Guiáãç,âb mar es pode ter entrado para a colet nea de lendas do anedot rio nacional , mas é lembran a em real na ca b e ç a de quem poro íciooucoin­cidência, ajudouf

nas buscas pelo corpo nunca encontrado.

A Folha conversou com pessoas que acompanhar­am o resgate dos corpos das outras vítimas —além do então deputado, estavam no heliócasal Severo Gomes ,M Anaora, c ptero a mulher dele o e Maria Henriqueta e o piloto, Jorge Comeratto.

O acidente f oiem1 2 de outub ro de 1 992, quando caiu no mar o helicópter­o em que Ulysses —um dos protagonis­tas da redemocrat­izaçã oe símbolo da Constituiç­ã ode 1988— se deslocav a de Angra dos Reis (RJ) para São Paulo.

“Os corpos estavam num estado de degradação muito grande, com partes decepadas , mordidos por peixes”, dizManuel A lceu Affonso Ferreira, 7 4.E ntão secretário estadual de J usti ç a de São Paulo , ele f oi um dos comandante­s da operação.

“Tenho essa imagem até hoj enaca beça”, afirma o advogado, que, cumprindo ordem do governador Lui zA ntônio Fleur y( 1991-1995), se mudou durante dez dias para a região onde a aeronave caiu, perto de Paraty (RJ).

As buscas, que duraram 21 dias, envolveram forças de seguranç ado Estado ,b ombeiros ,M arinha e Aeron á utica.

Segundo Ferreira , todasas estruturas e tecnologia­s disponívei­s na época foram usadas .“L embro daquilo tudo com misto de tristez aeemoção”, relata .“S obrevoávam­os toda a costa, mas nã o se achava nada”.

Segundo o ex-secretário, por fim “se chegou à conclusã ot écnica de que a única coisa que poderia acontecer seria o cadáver de Ulysses parar em alguma praia”. MEMÓRIA DE INFÂNCIA Foi perto Marcelo Moraes daVpraia icintin, queentão um garoto de dez anos passando o feriado na região de Parat y,v iu o corpo de uma das vítimas do acidente, o do piloto .H oje com 35 anos, empresário, ele diz nunca ter esquecido o impacto daquela visão.

Vicintin e dois amigos da mesma faix aet ária estavam num barco com o a v ô de um deles j ustamente porque os parentes queriam poupar as crianças do clima pesado pósacident­e .N aquela altura, um dia após a queda, a fregiã amíliaes

o do condomínio­ondea tava hospedada já tinha sido tomada pelas buscas.

“Entã o le varam a gente para pescar lula, na direção oposta de onde se acredita v a que o helic ó ptero tinha caído .Ef oil á que vimos o corpo. Inicialmen­te imaginamos que era algum peixe”, diz.

Pai dele ,A rthur Vicintin Neto, 63, se envolveu no trabalho de rastreamen­to .Ex periente como velejador e piloto, o engenheiro usou seu próprio barco ,f ez mergulhos e emprestou equipament­os para auxiliar nos trabalhos.

“Eu tinha GPS, um instrument­o raríssimo. Pelo rádio, conseguia me comunicar com a Marinha .T ambém cedi um magnetômet­ro [equipament­o usado para medir campos magn é ticos]”, relembra. Naopini xã

odele , comatecnol­ogia e istente agora, certamente o corpo do deputado seria localizado.

“Hoj ee xistem sonares mais precisos”, afirma Vicintin Neto, que diz ter chegado a v er o helic ó ptero com o político v oando b ai x o , so b re o mar , enquanto um temporal se aproximava.

Testemunho­s da época também relacionav­am o mau tempo diretament­e ao acidente .O s relatos eram que Ulysses insistiu em viajar, mesmo sob alertas .E le di z ia que n ã o tinha medo de v oar.

 ?? Lula Marques- 3.out.88/Folhapress ?? Ulysses Guimarães, que foi presidente da Câmara e da Assembleia Constituin­te, morto há 25 anos num acidente aéreo
Lula Marques- 3.out.88/Folhapress Ulysses Guimarães, que foi presidente da Câmara e da Assembleia Constituin­te, morto há 25 anos num acidente aéreo

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