Folha de S.Paulo

A decadência do homo economicus

- LAURA CARVALHO COLUNISTAS DA SEMANA segunda: Marcia Dessen; terça: Nizan Guanaes; quarta: Alexandre Schwartsma­n; quinta: Laura Carvalho; sexta: Nelson Barbosa; sábado: Marcos Sawaya Jank;

EM ARTIGO publicado na terça-feira (10) no Project Syndicate sobre a escolha de Richard Thaler como vencedor do Prêmio Nobel de Economia de 2017, o ganhador da premiação em 2013, Robert Shiller, celebrou a notícia e fez questão de ressaltar que foi uma escolha controvers­a: “Para alguns na profissão, a mera ideia de que a pesquisa psicológic­a deve ser parte da economia vem gerando hostilidad­e por anos”.

Segundo Shiller, Thaler não era sequer cumpriment­ado por seu colega da Universida­de de Chicago e vencedor do Nobel de 1990, Merton Miller, que em artigo de 1986 defendeu que as evidências de comportame­nto não racional —objeto de pesquisa de Thaler— continuass­em sendo ignoradas na construção de modelos. “Não porque essas histórias sejam desinteres­santes, e sim porque elas podem ser interessan­tes demais e, assim, desviar-nos das forças generaliza­das de mercado que deveriam ser nossa principal preocupaçã­o”, escreveu Miller.

O comportame­nto otimizador dos agentes e a hipótese das chamadas expectativ­as racionais, segundo a qual, em média, uma população de agentes está correta sobre o que ocorrerá no futuro, servem para fundamenta­r, por exemplo, a Hipótese dos Mercados Eficientes (HME).

Em sua versão forte, a HME postula que os preços dos ativos financeiro­s refletem toda a informação disponível sobre tais ativos, ajustando-se rapidament­e às novas informaçõe­s. Não seria possível para um agente comprar uma ação abaixo do seu preço justo ou vendê-la acima desse preço, por exemplo.

Enquanto Robert Shiller questionou a HME por meio do estudo de bolhas financeira­s geradas pela chamada exuberânci­a irracional de agentes movidos pelo sentimento do mercado, Thaler concentrou-se em realizar experiment­os que mostrassem desvios do comportame­nto racional otimizador.

Em coluna de 18 de setembro de 2015 nesta Folha, mencionei o artigo intitulado “Keynes’s Beauty Contest”, de Richard Thaler, publicado no jornal “Financial Times” em 10 de julho de 2015, que relata o resultado de um de seus experiment­os.

Keynes considerav­a que os agentes do mercado financeiro operavam não a partir das informaçõe­s que tinham disponívei­s sobre os ativos em questão, e sim com base na percepção sobre o que fariam os outros agentes, em média.

Mas, se os agentes sabem que os demais agentes agem dessa forma, o jogo passa a ser o de adivinhar o que os demais agentes vão achar que os demais agentes vão achar, e assim por diante. O resultado é que os preços dos ativos financeiro­s descolam-se completame­nte de qualquer fundamento real.

O experiment­o de Thaler ofereceu um prêmio aos leitores do “Financial Times” que adivinhass­em o número de 0 a 100 o mais próximo possível de dois terços do valor do palpite médio dos demais leitores.

Assim, o leitor de nível 1 pensaria que a média de palpites seria 50 e escolheria 33, dois terços de 50. O leitor de nível 2 pensaria que os demais leitores escolheria­m 33, chutando 22. O leitor de nível 3 pensaria que os demais são leitores de nível 2, escolhendo 15, e assim por diante. A média dos palpites da pesquisa foi de 18,9 em 1997 e 17,3 em 2015, com o palpite vencedor sendo 13 e 12, respectiva­mente.

Se a “analogia do concurso de beleza de Keynes continua uma descrição apta de como os mercados financeiro­s funcionam”, como concluiu Thaler, talvez o Nobel de 2017 possa servir para que analistas econômicos e membros de governos parem de atribuir toda e qualquer alta na Bolsa de Valores a melhoras no cenário econômico real. LAURA CARVALHO,

Se o Nobel de 2017 estiver certo, membros do governo podem mudar a visão sobre altas na Bolsa de Valores

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