Projeto aprovado opõe Exército a entidades e Procuradoria
Texto que passou no Senado prevê que membros das Forças Armadas que matarem civis em operações sejam julgados na Justiça Militar
A aprovação de um projeto de lei no Senado que transfere para a Justiça Militar o julgamento de homicídios ocorridos durante operações militares opõe, de um lado, Forças Armadas e Justiça Militar e, de outro, Ministério Público Federal e organizações não governamentais.
O projeto aprovado na terça-feira (10) autoriza que militares que tenham matado civis nas chamadas operações de GLO (Garantia de Lei e da Ordem), como as realizadas atualmente em morros do Rio, sejam julgados por militares, e não por tribunais do júri na Justiça comum, que abrangem policiais militares desde 1996.
A PGR (Procuradoria Geral da República) foi contrária ao projeto, em nota técnica de agosto deste ano, ainda durante a gestão do ex-procurador-geral Rodrigo Janot.
Ela opinou que a Justiça Militar “não goza de autonomia em relação às Forças Armadas” e, assim, “não pode ser reconhecida como isenta para processar atos graves que foram praticados por militares contra civis”.
A Anistia Internacional pede que o presidente Michel Temer (PMDB) vete integralmente o projeto —ele só passa a valer a partir da sanção, ainda sem data prevista.
A entidade menciona a impunidade que grassou no meio militar brasileiro durante a ditadura militar (19641985) no tocante às denúncias de assassinatos, torturas e desaparecimentos forçados de opositores do governo.
Em sentido oposto, o Exército, o STM (Superior Tribunal Militar) e a PGJM (Procuradoria Geral da Justiça Militar) comemoraram a aprovação do projeto, relatado pelo senador Pedro Chaves (MS), do PSC, partido conservador presidido por um pastor evangélico.
Para o ministro da Defesa, Raul Jungmann, o projeto corrige um problema da lei, segundo ele criada em meio a clamor público motivado por episódios como a chacina da Candelária, em 1993.
Na época, segundo o ministro, foram incluídos os “militares, que nada tinham a ver” com as chacinas. “Há 21 anos os militares lutam para voltar a ser como era antes [de 1996]. O militar que participa de uma atividade militar precisa contar com a Justiça especializada”, disse Jungmann.
Em nota à Folha, o Comando do Exército afirmou que a Justiça Militar “se destaca pela austeridade na aplicação das penas e pela celeridade na condução dos processos”.
“Submeter os militares das Forças Armadas ao foro da Justiça Militar torna mais rígida e célere a punição de crimes e abusos cometidos por esses representantes do Estado nas operações de GLO”, diz o Comando do Exército.
O STM afirmou em nota que o projeto “é importante porque devolve à Justiça Militar Federal uma competência há muito prevista em legislação específica”.
No ano passado, o STM já havia entendido que a Justiça Militar “é competente para processar e julgar casos de homicídio doloso cometidos por militares das Forças Armadas contra civis”.
Em nota técnica de 1º de setembro assinada pelo procurador-geral de Justiça Militar, Jaime de Cassio Miranda, a PGJM afirmou que o projeto é constitucional, que “raríssimos são os casos de mortes de civis que decorrem da atuação das Forças Armadas e, dos 3.320 óbitos decorrentes de intervenção militar no ano de 2015, o Ministério Público Militar desconhece que algum deles tenha resultado de confronto com militares federais”.