Debate em Brasília foi pertinente, não violento, diz cineasta negra
Premiada no festival, Jéssica Queiroz reclama que negros não são individualizados em ‘Vazante’
Produtora cultural, por outro lado, queixou-se em texto de que discurso político passou a nortear a avaliação dos filmes
O acalorado debate do filme “Vazante” em Brasília suscita uma série de questões que vão além do fato em si: a agenda social deve ser levada em conta na avaliação de uma obra? É possível separar a arte da política? Como retratar minorais e tragédias sociais?
Em Brasília, Daniela Thomas disse não ter feito um filme militante e nem ter tido intenção de fazer um retrato definitivo sobre a questão racial.
O crítico de cinema Juliano Gomes, da revista “Cinética”, argumentou que invocar essa posição de neutralidade em 2017 é impossível. “Seu filme é político, sim, e está profundamente a serviço do status quo”, contestou na ocasião.
À Folha ele, que é negro, diz não ter cobrado do longa um enredo militante, panfletário. “O problema é que a Daniela segue um padrão datado para descrever um episódio central da história do país. Os artistas brasileiros precisam se movimentar em direção a uma complexidade maior da representação dos negros. A sociedade pede essa reconfiguração.”
Uma fala dele no debate, em especial, teve forte repercussão. Após Thomas manifestar dúvidas sobre a obra, tendo em vista os questionamentos feitos, ele sugeriu que a diretora não a lançasse.
“Foi uma frase irônica tirada de contexto”, diz. “Jamais defenderia a censura. A frase foi uma reação ao fato de que ela parecia lamentar a existência do próprio trabalho. Optou por não expor seus motivos. Confesso que isso me surpreendeu demais.”
Em Brasília, dividindo o palco com a equipe de “Vazante”, também estava a cineasta paulistana Jéssica Queiroz. Ela apresentava seu terceiro curta, “Peripatético”, sobre jovens negros da periferia de São Paulo. O filme ganhou o troféu de melhor roteiro e um prêmio especial do júri.
“Não achei que o debate tenha sido violento, rancoroso, como disseram. Foi acalorado, sim, mas com apontamentos pertinentes sobre o filme”, comenta. “Talvez as pessoas não estejam acostumadas a tratar de questões raciais num ambiente como aquele.”
Ela também se sentiu incomodada com o retrato pintado em “Vazante”.
“Os personagens negros não são individualizados. São um objeto em cena, uma grande massa negra escravizada.”
“Não acredito que a arte possa ser separada da visão política. Principalmente no momento em que vivemos”, avalia. “A arte precisa dizer alguma coisa, ter a ambição de mudar a realidade. Como produtora negra, da periferia, não posso fugir disso.”
A produtora cultural Valeska Silva não viu o filme nem esteve no debate, mas encontrou no episódio mais um exemplo a reforçar sua argumentação no artigo “Há espaço no cinema brasileiro para os filmes?”, publicado no site do jornal “O Estado de S. Paulo” no começo do mês.
Em sua visão, os debates ocupariam o papel central nos festivais, e os filmes seriam cada vez mais coadjuvantes. O discurso político passaria a nortear a avaliação dos longas. “O simples ato de mostrar pode soar criminoso se não for dada a voz aos grupos que sofreram injustiças históricas.”
“As discussões são muito pautadas pelo ativismo”, afirmaà Folha. “Há uma certa instrumentalização do cinema, como se o papel dos filmes fosse enviar alguma mensagem.” (GUILHERME GENESTRETI E MARCO RODRIGO ALMEIDA) DIREÇÃO Daniela Thomas ELENCO Adriano Carvalho, Luana Tito Nastas, Jai Baptista PRODUÇÃO Brasil, 2017 QUANDO estreia em 9/11