Folha de S.Paulo

FESTIVAL DO RIO Tintas sociais tingem o terror ‘O Animal Cordial’

Distinção de classes fica evidente quando dois ladrões invadem um restaurant­e

- GUILHERME GENESTRETI

Assim como ‘As Boas Maneiras’, do mesmo gênero, filme concorre ao troféu Redentor como melhor brasileiro

No Brasil, o terror tem tintas sociais. Ao menos, é o que sugerem os filmes nacionais do gênero exibidos na edição deste ano do Festival do Rio.

Enquanto “As Boas Maneiras”, de Juliana Rojas e Marco Dutra, situa sua trama de lobisomem numa São Paulo em que o rio Pinheiros é o que separa ricos e pobres, “O Animal Cordial”, de Gabriela Amaral Almeida, despeja sangue num restaurant­e em que as distinções de classe também são bem claras.

Esse último filme foi exibido na noite da terça (10), no Rio. Ambos os longas concorrem ao Redentor, o prêmio máximo do festival.

“O Animal Cordial” começa no fim do expediente de um restaurant­e de classe média-alta em uma cidade não identifica­da do Sudeste. Murilo Benício faz Inácio, o proprietár­io, Luciana Paes interpreta a maître Clara, e Irandhir Santos é Djair, chef daquela cozinha algo estrelada.

A tensão social já está instalada. Inácio explora os empregados da cozinha a trabalhar até tarde, e o chef está em pé de guerra com o dono do restaurant­e. Os três clientes que ainda restam no local (o casal formado por Jiddu Pinheiro e Camila Morgado, e o solitário Amadeu, vivido por Ernani Moraes) também vociferam impropério­s de classe.

A mesa vira quando o lugar é invadido por dois assaltante­s (Humberto Carrão e Ariclenes Barroso), o que deixará as discrepânc­ias entre os personagen­s mais evidentes, trazendo à tona preconceit­os de classe, origem e orientação sexual.

É também o estopim para o banho de sangue que se seguirá, remetendo aos chamados “gore movies”, subgênero do horror marcado pela carnificin­a, como em “Holocausto Canibal” (1980) e nas obras de Tobe Hooper e John Carpenter.

Não à toa, a diretora apresentou seu filme na mostra carioca usando um vestido que estampava o rosto ensanguent­ado e transtorna­do de Sissy Spacek em “Carrie, a Estranha” (1976), clássico de Brian de Palma, adaptado da obra de Stephen King.

Baiana radicada em São Paulo, Gabriela Amaral Almeida tem em “O Animal Cordial” a sua estreia nos longas. Entusiasta do gênero do terror, tema sobre o qual recai boa parte de sua produção acadêmica, ela já incluía o sobrenatur­al em seus curtas-metragens, como em “Estátua!”, sobre a relação entre uma babá (Maeve Jinkings) e uma garota excêntrica (Cecilia Toledo).

À Folha, em julho, a diretora contou da costura que faz entre o elemento insólito e o social. “Sou um sujeito político, com opinião sobre o mundo que me rodeia”, afirmou. “E abordo o que me rodeia por meio do medo, que tem a ver com o tipo de arte que consumo.”

 ?? Josu éS ouza/Divulgação ?? A atriz Luciana Paes em cena do filme que marca a estreia da diretora Gabriela Amaral Almeida em longas-metragens
Josu éS ouza/Divulgação A atriz Luciana Paes em cena do filme que marca a estreia da diretora Gabriela Amaral Almeida em longas-metragens

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil