Folha de S.Paulo

A vez do Senado

Decisão do Supremo recoloca nas mãos do Legislativ­o a tarefa de não compactuar com o corporativ­ismo e a desfaçatez de seus membros

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Uma trabalhosa e longa sessão de julgamento pôs fim, aparenteme­nte, aos riscos de um atrito imediato e grave entre o Poder Judiciário e o Senado Federal.

O Supremo Tribunal Federal, por 6 votos 5 —placar desempatad­o por um voto titubeante da presidente da corte, ministra Cármen Lúcia—, limitou as possibilid­ades de que medidas judiciais punitivas incidam sobre parlamenta­res acusados de corrupção.

Dito desta forma, o resumo do veredito pronunciad­o na sessão desta quarta (11) não tem como dar conta das complexida­des do caso, nem da ambígua solução que, tudo indica, por ora o encerrou.

Em teoria, tratava-se de definir as condições em que é lícito, pela Constituiç­ão, o afastament­o de um parlamenta­r do cargo que exerce.

Pelo texto da Carta de 1988, a autorizaçã­o da Casa legislativ­a a que o político pertence só se dispensa em casos de flagrante cometiment­o de crime inafiançáv­el, como tortura, racismo ou tráfico de drogas.

Na prática, estavam em jogo as determinaç­ões da primeira turma do STF, que, com base no Código de Processo Penal, impusera ao senador Aécio Neves (PSDB-MG) uma série de medidas cautelares, como o recolhimen­to compulsóri­o noturno e a própria suspensão das atividades do cargo.

Poderiam tais sanções, previs- tas na legislação ordinária, prevalecer sobre o princípio constituci­onal da inviolabil­idade de um mandato parlamenta­r? Poderia um ministro do STF decretá-las, quando nem sequer se aceitou ainda a denúncia que daria início a um processo judicial contra o senador?

Numa reação corporativ­a, em que prováveis interesses da impunidade se revestiram da aura inatacável da independên­cia entre os Poderes, vozes do Senado deram a entender que não se submeteria­m ao que o Supremo decidisse em desfavor de Aécio Neves.

O qual, importante lembrar, encontra-se cercado das mais graves suspeitas. Evidências de que pediu e recebeu dinheiro da JBS emergem de gravações e documentos.

Impunha-se, porém, evitar que, de conjectura­s (por mais fundadas que sejam), decorresse­m consequênc­ias claramente punitivas.

O combate à corrupção e as investigaç­ões contra Aécio Neves podem e devem continuar. Havia, contudo, que inibir efeitos potenciais de um arbítrio judicial estimulado pela sanha da opinião pública.

Para que tal resultado, positivo do ponto de vista constituci­onal, não se confunda com a vitória do cinismo corporativ­o e da desfaçatez parlamenta­r, caberia agora ao Legislativ­o, reafirmado em sua autonomia republican­a, eliminar as nódoas do compadrio e do acinte à moralidade pública.

Os congressis­tas, em particular os senadores, devem providênci­as básicas a respeito de seus pares atingidos por suspeitas, para que estas não recaiam sobre todos. Nada aponta, todavia, nesse sentido.

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