Folha de S.Paulo

Não, porque tentaram uma deportação em março de 2015 e era governo Dilma.

- JOELMIR TAVARES

ENVIADO ESPECIAL A CANANEIA (SP)

É num sobrado simples em Cananeia, no litoral paulista, que o italiano Cesare Battisti espera seu futuro ser decidido em Brasília.

A tranquilid­ade da vida que leva na cidade de 12 mil habitantes foi interrompi­da há pouco mais de uma semana. Detido no dia 4 numa viagem à fronteira com a Bolívia (prisão que ele diz ter sido fraudulent­a), foi considerad­o fugitivo e viu crescerem as pressões para que seja extraditad­o.

“A minha arma para me defender não é fugir. Estou do lado da razão, tenho tudo a meu lado”, disse ele à Folha na tarde desta quinta (12).

A trama se arrasta em solo brasileiro desde 2004, quando o ex-militante de extrema esquerda condenado pela morte de quatro pessoas chegou ao país. Ele nega a autoria.

Com a permanênci­a autorizada em 2010 pelo então presidente Lula, Battisti achava que tudo tinha se resolvido. O esforço da Itália para fazê-lo cumprir a condenação à prisão perpétua, no entanto, nunca cessou. Nesta semana, o governo Michel Temer decidiu revogar a condição de refugiado do italiano.

Vivendo na casa de um amigo, o escritor está construind­o um imóvel para morar em Cananeia. A renda vem da ajuda de amigos e parentes na Itália e na França, além da venda de livros e de traduções.

Casado com uma moradora da cidade desde 2015, teve filho, hoje com quatro anos, com uma ex-companheir­a em São José do Rio Preto. “Ele [Temer] vai separar um filho do pai por toda a vida?” Folha – O sr. tem dito que a prisão em Corumbá foi uma “trama” e que estava sendo vigiado. Como aconteceu?

Cesare Battisti — Durante o trajeto me dei conta de que estavam atrás de nós. Houve momentos em que víamos que estavam esperando o carro passar. Pararam a gente 200 km antes de Corumbá. Não pararam mais ninguém. Era claro que estavam nos esperando. Quando cheguei à delegacia eles estavam felizes da vida, comemorava­m, como se festejasse­m o sucesso de uma operação. Nem disfarçara­m muito. Pegaram o dinheiro de todo mundo e começaram a dizer que era tudo meu. Porque só assim poderia superar os R$ 10 mil [valor máximo permitido]. Mas o dinheiro era dos três. Aí a gente começou a ver que as coisas estavam andando de um jeito estranho. O sr. queria fugir?

Para que eu quero fugir? A gente tinha ido comprar material de pesca, casacos de couro, vinhos. Tínhamos encomenda também, de amigos daqui que são pescadores. Transforma­ram essa prisão em outra coisa. Eu na Bolívia não conheço ninguém. Vou passar a fronteira para passar de um problema para outro? menor intenção de fugir para um país onde não sei o que vai acontecer. E deixar o país onde eu estou sendo protegido. As pressões se intensific­aram no governo Temer? O cenário agora é mais favorável para a Itália pressionar?

Pode ser que eles encarem dessa forma, está vendo que tem um governo que eles acham mais de direita. Possam acreditar que é mais possível. Mas eu acho que é uma questão de colocar forças. Eles estão colocando força para agir em território brasileiro.

Lula é um bom estadista. Não presenteia ninguém. Antes de tomar a decisão dele, ele mandou assessores investigar­em no México, na França, na Itália. Ele teve prova absoluta que ia tomar uma decisão que não tinha nada contestáve­l. pelo governo e pelo STF.

A minha arma para me defender não é fugir. Estou do lado da razão, tenho tudo a meu lado. Estou em prescrição desde 2013. E não se pode voltar depois de cinco anos [referindo-se à decisão de Lula de mantê-lo no país]. Eles querem argumentar que surgiu fato novo. Fato novo seria a evasão de divisas em Corumbá? Foi forjado, e eu vou ganhar esse processo.

Como se faz com um país que me acolhe, me permite desenvolve­r família, afetos, profissão, e depois diz que “acabou, agora vai embora”? Que monstruosi­dade é essa? Qual instituiçã­o o sr. acredita que pode salvá-lo?

Eu gostaria que o presidente Temer tomasse consciênci­a profunda da situação. E avaliar se tem que seguir essas pressões ou se tem de fazer um grande ato de justiça e humanidade.

“não conheço ninguém. Vou passar a fronteira para passar de um problema para outro?

Quais são seus planos aqui?

Continuar escrevendo. Gosto de morar neste país. Todo mundo sabe disso. Sou radicado aqui, por família, por trabalho… Sou corintiano! [risos] Então o que faço? Vou levar o Corinthian­s para a Itália?

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