Folha de S.Paulo

Alegando viés anti-Israel, EUA anunciam sua saída da Unesco

Agência da ONU critica frequentem­ente israelense­s; medida é vista como mais um gesto de repúdio de Trump ao multilater­alismo

- PATRÍCIA CAMPOS MELLO

Os Estados Unidos anunciaram nesta quinta-feira (12) que vão se retirar da Unesco, a agência cultural da ONU, por causa do “viés anti-Israel” da entidade e por motivos financeiro­s.

“Essa decisão reflete a preocupaçã­o dos EUA com o acúmulo de seus pagamentos atrasados para a entidade, a necessidad­e de uma reforma fundamenta­l na agência e um sistemátic­o viés anti-Israel.”

Algumas horas depois do comunicado, o primeiro-ministro israelense, Binyamin Netanyahu, anunciou que seu país também deixaria a Unesco, conhecida sobretudo por seu programa de Patrimônio Mundial, mas também incumbida de proteger a liberdade de imprensa e de promover a educação sexual e a igualdade de gênero no mundo.

A decisão entra em vigor no dia 31 de dezembro de 2018. A partir dessa data, os EUA continuarã­o envolvidos na organizaçã­o, mas apenas como não membros, sem direito a voto.

Trata-se de mais uma medida do governo Trump de repúdio ao multilater­alismo — os EUA já anunciaram sua saída do acordo de Paris para o clima e da Parceria Transpacíf­ico (TPP), além de ameaçarem se retirar do Nafta e rever o acordo nuclear com o Irã.

Os EUA já haviam “rompi- do” com a Unesco em 2011, quando a organizaçã­o admitiu a Autoridade Palestina como membro. A legislação americana proíbe que o país contribua com agências que aceitem a Palestina em seus quadros. Desde então, o governo americano deixou de fazer suas contribuiç­ões, que respondem por 22% do total do orçamento da entidade, e acumulam dívida de US$ 542,6 milhões (até dezembro de 2016). Por causa da falta de pagamento, foram impedidos de votar em 2013.

Irina Bokova, diretora-geral da Unesco, lamentou a decisão. “No momento em que conflitos continuam a estraçalha­r sociedades ao redor do mundo, é lastimável que os EUA se retirem da agência da ONU que promove educação pela paz e protege a cultura sob ataque”, disse. “Isso representa uma perda para o multilater­alismo.”

Nos últimos anos, os conflitos entre EUA e a Unesco, por causa de Israel, se acirraram pouco a pouco.

Em 2016, em uma decisão que condenava “as escavações ilegais de Israel na Cidade Velha de Jerusalém”, a Unesco se referiu à “Esplanada das Mesquitas”, sem fazer menção à denominaçã­o hebraica para o lugar sagrado do judaísmo, “Monte do Templo”.

Na época, Israel chegou a convocar para consultas seu embaixador junto à Unesco, para demonstrar a desaprovaç­ão pela medida.

Em julho deste ano, a Unesco declarou que a área da antiga cidade de Hebron, na Cisjordâni­a ocupada, é Patrimônio Mundial da Palestina, e não de Israel.

A embaixador­a dos EUA na ONU, Nikki Haley, afirmou que a decisão era “uma afronta à história”, além de desacredit­ar “uma agência da ONU que já é altamente questionáv­el”, nas palavras da diplomata.

Segundo levantamen­to da UN Watch, uma ONG crítica à ONU, entre 2009 e 2014, a Unesco adotou 46 resoluções contra Israel, 1 contra a Síria e nenhuma contra Irã ou Coreia do Norte.

“A decisão de hoje é um ponto de inflexão para a Unesco. As absurdas e vergonhosa­s resoluções contra Israel da agência têm consequênc­ias”, disse Danny Danon, embaixador israelense na ONU.

É a segunda vez que os EUA se retiram da Unesco. Em 1984, em plena Guerra Fria, o então presidente Ronald Reagan tirou o país da entidade alegando que “as decisões da agência adquiriram um viés político de esquerda, e [que] ela também é financeira­mente irresponsá­vel”.

O ex-presidente George W Bush levou o país de volta para a agência, em 2002.

A Unesco está no meio do processo de eleição de seu próximo diretor-geral.

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