Folha de S.Paulo

Agricultor­es saem da pobreza e filhos ficam no campo

- DA ENVIADA ESPECIAL AO OESTE DO PARANÁ

ENVIADA ESPECIAL AO OESTE DO PARANÁ

Da janela do seu escritório em Palotina (PR), o agrônomo Alfredo Lang só via lavoura. Não por acaso, quando ele sugeriu aos agricultor­es da cidade que montassem uma indústria frigorífic­a em pleno interior, no início dos anos 1990, o chamaram de louco.

“Diziam: ‘Isso não é para nós, deixa para a Sadia’”, lembra o agronegóci­o. “Falavam que eu ia quebrar.”

O escritório tem as mesmas persianas e móveis daquela época. Mas, pela janela, agora se vê uma indústria que emprega 5.000 pessoas e exporta carne de frango para 40 países —inclusive para o McDonald’s europeu.

A C.Vale, que Lang preside, segue a receita de outras grandes cooperativ­as agrícolas que apostaram na indústria em pleno campo —e viram a receita multiplica­r.

O segredo é fazer da lavoura um produto industrial, seja por meio do processame­nto de grãos, seja pela transforma­ção de milho em ração animal. Algumas avançam no varejo e têm até supermerca­dos e postos de combustíve­l.

“Produzir commoditie­s não gera renda”, diz o superinten­dente da Ocepar (Organizaçã­o das Cooperativ­as do Paraná), Robson Mafioletti.

Agricultor­es apostaram na indústria —que dá mais estabilida­de à atividade e agrega valor à produção, que deixa de ser tão dependente de fatores externos— após quase quebrarem com secas ou geadas nos anos 1970 e 1980.

“Uma vez, perdemos 80% da produção. Foi aí que caiu a ficha: se ficarmos só nisso, não vamos sobreviver”, conta Valter Pitol, presidente da Copacol, dona de um complexo industrial responsáve­l por 80% das receitas da cidade de Cafelândia (PR), que tem 17 mil habitantes.

Os exemplos de sucesso são numerosos: a Coamo, maior cooperativ­a da América Latina, com faturament­o de R$ 11 bilhões, priorizou o esmagament­o e industrial­ização da soja. A C.Vale, que fatura R$ 7 bilhões por ano, apostou na criação de frangos, peixes, suínos e gado pelos cooperados, a fim de transforma­r grãos em ração e, depois, em proteína.

Como elas, há dezenas espalhadas pelo interior do país, principalm­ente no Sul. “É

“Éramos pobres, pobres, mesmo”, lembra, sentado na varanda enquanto come um cuque de banana, o agricultor Alberto Scopel, 76.

Cinquenta anos atrás, o gaúcho migrou para o então inexplorad­o oeste do Paraná, com a mudança em cima um caminhão de vinho. Estava casado havia 40 dias. Comprou 35 hectares de terra no meio da floresta —hoje, tem 300. “O segredo é trabalho. E isso aqui, ó”, diz, exibindo o punho fechado dos sovinas.

Scopel é o patriarca de uma família que deu certo no campo. Na região, a maioria tem até 100 hectares de terra — coisa mínima perto dos 130 mil hectares da família Maggi em Mato Grosso, por exemplo. Mas construíra­m casas confortáve­is no meio da lavoura, com TV de tela plana e caminhonet­e na garagem.

Os dois filhos de Scopel ficaram na propriedad­e, em Matelândia (PR), que produz milho, soja, aveia, leite e suínos. Os netos (24 e 15 anos) se preparam para o mesmo.

“Vai lá na cidade para ganhar o quê? R$ 3.000? Bota três vacas de leite que você ganha isso”, diz Cidnei Scopel, 50, filho mais velho.

Cooperados da Lar, vendem quase toda a produção à cooperativ­a, que também dá assistênci­a técnica e distribui lucros no final do ano.

O mesmo aconteceu com Ademir Effting, 62, em Cafelândia (PR). Os filhos, Marcelo e Flávio, com curso superior, optaram por ficar na propriedad­e, de 15 hectares.

“Eu era contra. Falei: ‘Vai ter fila lá para pegar teu emprego’”, conta o pai. Mas ele teve que se dobrar à insistênci­a do filho Marcelo, formado em sistemas da informação, e da mulher, Verônica — que liderou a aposta na diversific­ação da produção.

“Sou bem insistente”, diz ela. A família, cooperada da Copacol, já tinha um aviário, mas decidiu apostar na piscicultu­ra. Financiara­m um açude e também passaram a ordenhar gado e criar porcos.

“Era uma oportunida­de de retorno financeiro e de qualidade de vida”, diz Marcelo.

A permanênci­a das novas gerações, porém, não é regra. Em Matelândia, os Scopel já viram vizinhos irem embora depois de ficarem sem sucessores para tocar o negócio.

“Em 20 anos, eu acho que vira tudo mato”, diz Cidnei. “Corre um sério risco. Porque não vale a pena tocar a lavoura se não ficar ninguém.” Com mecanizaçã­o, vilas de boias-frias viram cidades fantasmas folha.com/no1926803

Pelo gigantismo, as cooperativ­as ganham peso político. Em Cafelândia, dos 5 prefeitos já eleitos, 3 eram associados da Copacol. “Mas não tem envolvimen­to nenhum da cooperativ­a”, afirma Pitol.

Os dirigentes dizem estar vacinados contra o uso da associação como trampolim político. “Muitas quebraram porque pareciam casa de caridade; davam tudo para o associado. Não há espaço para amadorismo. A cooperativ­a é uma empresa”, diz Lang.

“Aqui é sem paternalis­mo. Sempre que alguém recebe algo de mão beijada, outro perde”, declarou o presidente da Coamo, José Aroldo Gallassini, em evento recente.

Nas fazendas, a fórmula da agroindúst­ria gerou empregos registrado­s —como na pequena propriedad­e de Edemar Burin, em Palotina, que tem cinco funcionári­os em seus aviários, com direito a participaç­ão nos lucros.

Assim como outros associados, ele vende a produção para a cooperativ­a, que fornece os pintinhos e a ração e dá assistênci­a técnica.

“Se for só com esse pingo de lavoura, não vive. Dá uma geada e para tudo”, diz o produtor, que cria frango e peixe, além de plantar. Na frente da propriedad­e de cem hectares, uma placa: empresário rural-modelo. Burin tem seis aviários e já prepara o sétimo, ao custo de R$ 1 milhão, que financiou no banco. VAREJO O segredo é “colocar os ovos em cestas diferentes”, como afirma Lang, da C.Vale. E a cesta mais recente dos agricultor­es é o varejo. A Copacol tem uma rede de supermerca­dos, cujo faturament­o quase dobrou em 2016. A Lar, de Medianeira, exporta industrial­izados e com marca própria até para a China.

“O próximo desafio é conquistar o consumidor, que é o que gera mais resultado”, diz Gonçalves, da Partner. As cooperativ­as planejam uma campanha para estimular o consumidor a comprar produtos de suas indústrias.

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Fotos Zanone Fraissat/Folhapress Indústria da Copacol em Cafelândia, no interior do Paraná; cooperativ­a é responsáve­l por 80% das receitas da cidade
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Marcelo Effting, que ficou no campo por qualidade de vida
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Propriedad­e rural da família Scopel, em Medianeira (PR)

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