Reforço à tropa
Governo avança de forma errática na ampliação da Força Nacional de Segurança, mais talhada que militares para ações de emergência
Embora a violência figure há anos entre as principais aflições dos brasileiros, as políticas de segurança pública avançam à base de espasmos, não raro em mera reação a episódios traumáticos.
Foi somente em 2000 que o governo federal passou a atuar de modo mais palpável no setor — na época, precipitou-se o lançamento de um plano nacional devido ao famigerado sequestro do ônibus 174, no qual a ação desastrada da polícia do Rio de Janeiro resultou em tragédia.
Mais recentemente, uma onda de massacres em presídios levou o presidente Michel Temer (PMDB) a anunciar no início deste ano novo pacote de medidas, que em grande parte reciclava propostas que circularam nas últimas duas décadas.
O destino mais comum de tais iniciativas tem sido a vala comum da descontinuidade administrativa, das carências orçamentárias e da dispersão de esforços.
Tome-se o exemplo do objetivo, estabelecido sob Temer, de ampliar de pouco mais de 1.000 para 7.000 o efetivo mobilizado da Força Nacional de Segurança Pública (FNSP), tropa instituída em 2004 e composta, em sua maioria, por policiais militares e civis e bombeiros cedidos em caráter temporário pelos governos estaduais.
Tratava-se de prioridade para o ex-ministro da Justiça Alexandre de Moraes, que deixou o cargo em fevereiro rumo ao Supremo Tribunal Federal. Estamos em outubro, a pasta já conhece o terceiro titular em 2017, e a meta foi esquecida.
Há três meses, coordenador da FNSP escreveu memorando dando conta de que a escassez de verbas poderia levar à desmobilização da maior parte do contingente.
Parece ter havido progressos, de todo modo. Mas desordenados: 13 anos depois de criada, a Força Nacional ainda não assumiu o protagonismo que deveria.
Seu orçamento, modesto diante das dimensões da despesa da União, mereceu aumento substantivo neste ano, chegando aos R$ 537 milhões —quase o quádruplo do montante desembolsado em 2016.
Entretanto os recursos foram alvo de bloqueios de gastos promovidos pela área econômica, em razão do desempenho pífio da arrecadação e do estado calamitoso das contas do Tesouro Nacional.
Até aqui, os desembolsos mal passaram dos R$ 150 milhões. Afirma-se no governo que quase todo o restante estará liberado até dezembro; já as perspectivas para 2018 são incertas.
Elevou-se o efetivo mobilizado para cerca de 2.200 homens, bem abaixo do almejado de início. Para ampliar o quadro à disposição da FNSP, o governo recorreu a expedientes heterodoxos.
Por meio de medida provisória ainda em tramitação no Congresso, autorizou-se o ingresso de servidores públicos aposentados há menos de cinco anos, para tarefas administrativas, e de militares inativos pelo mesmo período.
Tal improviso buscou contornar dificuldades das unidades federativas em ceder mais policiais para a tropa. Mas está muito longe de ser solução satisfatória.
Faz-se hora de planejar a transformação da Força Nacional em carreira regular do serviço público, destinada a profissionais de elite.
Essa instituição se mostra mais talhada para intervir, de forma pontual, em momentos de emergência —papel que as Forças Armadas têm assumido com frequência indesejável, sem vocação para tal.
Fora o risco de contaminação no contato com o mundo do crime, a falta de treinamento adequado para situações de policiamento representa riscos para a população.
Reflexo de tal distorção é o projeto, patrocinado pelo Palácio do Planalto e recém-aprovado pelo Legislativo, que transfere à Justiça Militar a atribuição de julgar soldados e oficiais acusados de crimes dolosos contra civis em operações de garantia da ordem.
Estruturar uma FNSP de caráter permanente implica, decerto, desafios ao erário. Hoje, o gasto federal com o contingente se concentra no pagamento de diárias, que elevam a remuneração dos profissionais cedidos, e alguma compra de equipamentos. Se criada uma nova carreira, haverá salários e aposentadorias a pagar.
Pode-se pensar, no entanto, em remanejamentos dentro do dispêndio total em segurança pública, que está em torno de R$ 9 bilhões anuais na União e mais de R$ 70 bilhões nos Estados.
O cenário de severa restrição orçamentária, que sem dúvida persistirá nos próximos anos, exige reformas na gestão e escolha de prioridades; o combate ao crime certamente precisa estar entre elas.