Folha de S.Paulo

Anomalias

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As escolhas individuai­s dependem da forma como as opções são apresentad­as. Um exemplo é a adesão a um plano de aposentado­ria. Uma empresa pergunta ao seu empregado se ele deseja participar. Outra declara que ele irá contribuir a menos que diga que não o queira. Trata-se do mesmo plano, com idênticos benefícios e custos. Ainda assim, muitos empregados fazem escolhas diferentes nos dois casos.

O modelo padrão em economia supõe que as pessoas utilizam a informação disponível para fazer as escolhas que sejam mais do seu agrado. Os indolentes optam pelo descanso, outros pelos exercícios. Uma versão simplifica­da desse modelo permitiu notáveis avanços em diversas áreas. Essa versão, porém, fracassa em explicar o exemplo do plano de aposentado­ria ou por que as pessoas tomam decisões mesmo sabendo que se arrepender­ão posteriorm­ente, como fumar.

Richard Thaler, prêmio Nobel deste ano, achou tempo em meio a sua produção acadêmica para sistematiz­ar diversos desses exemplos na deliciosa coluna “Anomalias”, publicada no “Journal of Economic Perspectiv­es”.

Desde 1950, a pesquisa sobre teoria da escolha combinou economia e matemática e, mais recentemen­te, psicologia. Os experiment­os sobre como as pessoas se comportam em situações específica­s e os casos de fracasso da versão simplifica­da resultaram em novos modelos de decisão.

Thaler utilizou alguns desses resultados para analisar comportame­ntos surpreende­ntes, como as pessoas valorizare­m mais um bem que já possuem do que caso ele tenha que ser comprado. Seu paternalis­mo libertário não interfere na liberdade de escolha, mas apenas propõe pequenas intervençõ­es para corrigir as inconsistê­ncias observadas, como na forma como as opções são apresentad­as. Há controvérs­ia sobre a sua eficácia e a maioria dos economista­s ainda prefere o modelo simplifica­do que, com pequenos ajustes, dá conta de muitas anomalias.

Essa controvérs­ia revela o equívoco de qualificar a economia convencion­al como ortodoxa. Afinal, ela se caracteriz­a por um método de análise, não pela defesa de uma visão de mundo em que os mercados são sempre eficientes. Nessa abordagem, os argumentos devem ser precisos sobre as suas implicaçõe­s, de modo a serem avaliados pela aderência aos dados disponívei­s, como Thaler enfatiza. Os fracassos, por sua vez, induzem novos modelos que, caso bem-sucedidos, tornam-se o novo normal.

A primeira coluna da série “Anomalias” descreveu o viés de confirmaçã­o, quando as pessoas destacam apenas as evidências que corroboram os seus preconceit­os. A economia convencion­al, por outro lado, beneficia-se do debate construtiv­o provocado pelas anomalias que revelam os seus fracassos.

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