Folha de S.Paulo

A FRIEZA DE UM DELATOR

Conhecido pelo temperamen­to explosivo, o corretor Lúcio Funaro assume lado metódico em depoimento­s que integram a sua delação

- ALEXA SALOMÃO

EDITORA DE ‘MERCADO’

Quem conhece de perto Lúcio Bolonha Funaro se impression­a com a sua fala nos vídeos gravados pela Procurador­ia-Geral da República (PGR). Não é necessaria­mente o conteúdo das declaraçõe­s que chama a atenção. Como operador de esquemas do PMDB, o mínimo que se espera dele é que faça revelações que justifique­m o apelido de homem-bomba. O que surpreende é a frieza.

Funaro é conhecido por ser expansivo. Ergue a voz com facilidade, para o bem e para o mal. Descrito como “inteligent­e”, “genial” e “divertido”, pode animar e encantar as pessoas com comentário­s espirituos­os e boas sacadas numa roda amistosa.

O inverso ocorre com frequência. Há relatos de que quando contrariad­o vai de zero a cem em segundos proferindo palavrões de baixo calão. No limite, se atraca com um oponente. “Maluco” e “perigoso” são adjetivos recorrente­s para descrevê-lo.

Não são poucas as pessoas que declaram ter medo dele. Fábio Cleto, ex-vice presidente da Caixa Econômica Federal, um dos primeiros a delatar os esquemas no banco público, contou que Funaro, para intimidá-lo, ameaçou atear fogo em sua casa com os seus filhos dentro.

Recentemen­te, veio a público que na Papuda, penitenciá­ria em Brasília onde está recluso, Funaro deixou os detentos espantados ao ameaçar publicamen­te outro preso, Ricardo Saud, da JBS. Os relatos, publicados pelo jornal “O Estado de S. Paulo”, são de que, ao final do banho de sol, teria gritado “Saud, eu vou te matar”.

Uma das caracterís­ticas mais complexas de sua personalid­ade é a fé. Católico praticante, vai à missa, confessa, comunga. Declara ter medo de Deus.

A tranquilid­ade de suas narrativas diante das câmeras está sendo interpreta­da como uma demonstraç­ão de que ele cansou de ficar preso e vai responder às perguntas com franqueza.

A questão é se vão conseguir fazer todas as perguntas certas, dado que Funaro participou ou no mínimo recebeu informaçõe­s privilegia­das de boa parte dos esquemas de corrupção que ocorreram no país recentemen­te.

Sobrinho do falecido exministro da Fazenda, Dilson Funaro, Lúcio Funaro cursou economia. Ainda nos anos 1990, passou a operar no mercado financeiro, no qual conquistou fama de operador habilidoso e gosto por ganhar muito dinheiro.

Ele mesmo diz que não faz nada de graça. Se alguém lhe pedir um favor e ele entender que o interlocut­or ganhou algo, vai apresentar a fatura.

Ao longo da década passada, seu nome foi pipocando em diferentes escândalos financeiro­s. E ele saiu ileso.

Foi investigad­o no caso Banestado, em 2003, que apurou um bilionário esquema de evasão de divisas. Fez delação no mensalão em 2005, entregando o PT. Denunciou a venda de sentenças judiciais em São Paulo na Operação Themis em 2007. Teve a prisão decretada em 2008, na Operação Satiagraha, que identifico­u desvio de dinheiro público envolvendo grandes conglomera­dos nacionais, mas terminou suspensa pela Justiça.

Funaro chegou a responder por uma centena de processos simultanea­mente. Ele mesmo participou de sua defesa e se orgulhava de contar que nunca perdeu uma causa. Ganhou várias, inclusive contra quem o chamou de doleiro, atividade que, afirma, nunca exerceu.

Nos últimos anos, alegava que ganhava a vida assessoran­do empresas na realização de negócios ou na solução de litígios societário­s. Numa conversa informal, Funaro podia citar dezenas de nomes conhecidos no mundo político e empresaria­l com quem diz já ter tratado sobre algum tema espinhoso.

No ano passado, a sua sorte começou a mudar. Foi preso em julho na Operação Sépsis, que investiga cobrança de propinas na liberação do FIFGTS, fundo de investimen­to mantido com dinheiro dos trabalhado­res e gerido pela Caixa Econômica Federal.

Funaro também é apontado como operador do ex-deputado Eduardo Cunha, a quem conhece desde os anos 1990, amizade que nunca escondeu. Com frequência eram vistos almoçando no Itaim Bibi, bairro da região Oeste de São Paulo, onde fica o escritório de Funaro.

A reação inicial na cadeia foi ficar calado. Alegava não ver vantagens na forma como as delações estavam sendo conduzidas. O acusado se entregava, entregava outros, ia preso e ainda ficava sem o dinheiro que supostamen­te ganhara com o ilícito.

As circunstân­cias, porém, lhe impuseram baques numa área que o afeta, a vida familiar. A irmã foi presa, após ter sido filmada recebendo o que seria parte da propina que a JBS pagaria para mantê-lo em silêncio. Ele perdeu o aniversári­o de um ano da única filha. Sua mulher tem suportado tudo, permanecen­do ao seu lado. Falar e voltar para casa se tornou uma boa opção.

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