Folha de S.Paulo

Volta à terra de origem faz ‘índios gigantes’ triplicare­m

Desterrado­s no regime militar, panarás comemoram 20 anos de demarcação

- FABIANO MAISONNAVE

A crescente presença da cultura não indígena, no entanto, preocupa mais velhos, que temem fim de língua e tradição

Após três horas em estrada de chão, surge Kanaã, a primeira das cinco aldeias da Terra Indígena Panará. É uma referência à volta da etnia para a “terra prometida” após mais de duas décadas de exílio imposto pela ditadura militar. Mas o nome cristão, sugerido por um pastor, revela também a influência cada vez maior do branco.

Neste ano, os panarás comemoram 20 anos da demarcação de sua terra. Quase dizimados após o contato e em seguida desterrado­s para o Parque do Xingu, conseguira­m regressar à região de origem em 1997.

Desde então, a população triplicou e hoje está em torno de 600 panarás, num dos casos mais bem-sucedidos de recuperaçã­o demográfic­a entre etnias indígenas.

A tumultuada história do contato dos panarás tem meio século. Desde o final dos anos 1960, tentativas de aproximaçã­o frustravam os militares, que queriam afastá-los das obras das BR-163 (Cuiabá-Santarém), hoje um dos principais focos de desmatamen­to ilegal da Amazônia.

Cada investida malograda alimentava a imaginação do público brasileiro. Os panarás ganharam a alcunha de “índios gigantes” porque o único panará conhecido, que vivia entre os txucarramã­es, media 2,04 m.

No episódio mais dramático, em 1967, um grupo de panarás se aproximou do destacamen­to da Aeronáutic­a na Serra do Cachimbo. Temendo um ataque, o governo enviou às pressas um turboélice C-47, que se perdeu e fez um pouso forçado. Dos 25 a bordo, apenas 5 sobreviver­am.

Na floresta, a aproximaçã­o dos brancos causava terror. “A gente viva tranquilo, ia longe procurar a taquara pra flecha”, diz Kretoma, que sobreviveu ao contato e hoje é uma das principais lideranças panarás. “Quando começaram a tentar o contato, a gente ficou parado, não tinha mais como andar por medo.”

Em 1973, os panarás finalmente decidiram se aproximar da expedição dos irmãos Orlando e Claudio Villas Bôas. As impression­antes imagens do encontro, registrada­s pelo fotógrafo Pedro Martinelli, deram a volta ao mundo, embora a expectativ­a de que fossem gigantes não tenha se confirmado.

O fim do isolamento os colocou à beira da extinção. A caça escasseou, criando uma dependênci­a da comida do branco. Passaram a pedir esmola, sofreram abuso sexual e conheceram o álcool. Doenças se espalhavam pelas aldeias e matavam rapidament­e.

Expostos à gripe e a outras enfermidad­es, de 34% a 41% dos panarás morreram nos dois primeiros anos, segundo dados compilados pelo jornalista da Folha Rubens Valente para o livro “Os Fuzis e as Flechas”.

No início de 1975, a situação dos panarás era desesperad­ora. Para evitar o escândalo de mais uma etnia exterminad­a, a ditadura os obrigou a se transferir ao Parque Indígena do Xingu, criado em 1961 e que abrigava outros povos. Embarcaram em avião apenas 79 panarás.

“Foi na marra, fomos com engano pro Xingu”, lembra Suakie, uma das poucas mulheres nascidas antes do contato. “Falaram que tinha pa-

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