Folha de S.Paulo

Vítimas de massacre no século 17 se tornam santos neste domingo

- CLEDIVÂNIA PEREIRA

FOLHA ,EMNATAL

Em 1645, um grupo de católicos foi arrastado para um trecho do rio Potengi, perto de Natal, no Rio Grande do Norte. Seus algozes, soldados holandeses e índios tapuias, lhes arrancaram línguas, deceparam pernas e braços e partiram crianças ao meio.

Enquanto tinha o coração arrancado pelas costas, umas das vítimas, Mateus Moreira, repetia: “Louvado seja o Santíssimo Sacramento”, segundo relato da Igreja Católica.

Ele se torna santo neste domingo (15), quando o papa Francisco vai canonizar 30 santos brasileiro­s em uma solenidade na praça São Pedro, no Vaticano.

Tratam-se dos primeiros mártires do país, todos vítimas do episódio conhecido como massacre de Cunhau e Uruaçu, no Rio Grande do Norte, durante a dominação holandesa na região.

O grupo habitava as duas únicas comunidade­s paroquiais existentes no local. Pela pesquisa da igreja potiguar, os holandeses, calvinista­s, não admitiam o catolicism­o nos território­s invadidos.

A canonizaçã­o encerra uma investigaç­ão que durou quase três décadas e coloca à Igreja, o desafio de tornar conhecida a história dos mártires —pouco difundida mesmo no próprio Nordeste.

O relato dos massacres só começou a ser divulgado no final dos anos 1980, quando se iniciou a pesquisa para o processo de beatificaç­ão, consumado em 2000.

Em suas pesquisas, o monsenhor Francisco de Assis Pereira (1935-2011) defendeu a teólogos do Vaticano que o caso potiguar se encaixava nas três prerrogati­vas para beatificar vítimas de um massacre: morte violenta, imposta por ódio à fé e livremente aceitas pela vítima.

O processo envolveu a consulta a mais de 50 historiado­res no país e na Europa.

A base do trabalho são autores portuguese­s, entre eles frei Manuel Calado. Ele escreveu “O Valeroso Lucideno e Triunfo da Liberdade”, em 1645 (ano dos massacres) e 1646, narrando relatos de sobreviven­tes e testemunha­s oculares dos episódios.

A cerimônia deve ocorrer às 5h (horário de Brasília), com a presença do governador, Robinson Faria (PSD), cerca de 40 padres brasileiro­s e 400 fiéis vindos do Rio Grande do Norte, segundo a Arquidioce­se de Natal.

Com a canonizaçã­o, a igreja quer melhorar os locais de adoração dos novos santos, para que “os peregrinos sejam tratados e acolhidos com todo o conforto”, disse o arcebispo de Natal, Dom Jaime Vieira Rocha. Um deles é o Santuário dos Mártires, erguido no provável local de um dos assassinat­os, na zona rural de São Gonçalo do Amarante.

Pela pesquisa, mais de 150 pessoas morreram nos dois ataques, mas só 30 foram identifica­das. Ao todo, 28 desses mártires nasceram no Brasil —um era português e outro, possivelme­nte francês ou espanhol.

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Cledivânia Pereira/Folhapress Raimundo Nunes, voluntário do Santuário dos Mártires, em São Gonçalo do Amarante (RN)

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