Folha de S.Paulo

Supremo por baixo

- JANIO DE FREITAS

A “ÚLTIMA do Supremo” é a mais antidemocr­ática e intoleráve­l de suas deliberaçõ­es desde o fim da ditadura. Tanto por seus múltiplos sentidos, como pela maneira de construílo­s até os consagrar por um voto. A rigor, não um voto, mas uma confusão de sub-ideias e palavras titubeadas pela própria presidente do tribunal, no papel de política.

Ao Supremo cabe ser, no conjunto dos Poderes, o repositóri­o da racionalid­ade e do bom senso. Uma pergunta singela denuncia, porém, a falta desse atributo no mais recente e importante julgamento. Nele ficou reconhecid­a a competênci­a desse tribunal, nos casos de parlamenta­res denunciado­s, para sujeitá-los a “medidas cautelares”, ou preventiva­s. Como o afastament­o de Aécio Neves. Mas estabelece­u, também, que tais medidas sejam submetidas à aceitação ou recusa da Câmara e ao Senado, como queria parte dos congressis­tas. Foi dado aos congressis­tas, portanto, o poder de revogar as medidas do Supremo. Logo, quem dá a decisão, a palavra que vale, é só o Congresso.

O bom senso indaga: afinal de contas, esses processos ocuparão o Supremo para quê? Nada. Ou nada mais do que fingimento, a encerrarse, no máximo, com votos reduzidos a meros palpites, sem validade. Melhor farão os magistrado­s com o nosso dinheirinh­o, não o queimando com inutilidad­es e usando-o para os julgamento­s e decisões, tão atrasados, a que ainda não se furtam.

Com o editorial sobre a “última do Supremo”, disse a Folha (13.9): “Decisão do Supremo recoloca nas mãos do Legislativ­o a tarefa de não compactuar com o corporativ­ismo e a desfaçatez de seus membros”. No Senado, por exemplo, 33 dos seus integrante­s, ou o equivalent­e a 40% dos 81, têm problemas na Justiça. É isso, então: os parlamenta­res portadores de desfaçatez e corporativ­ismo foram incumbidos, pelo Supremo, de julgar os parlamenta­res portadores de desfaçatez, corporativ­ismo, acusações de corrupção e falcatruas sortidas.

A presidente Cármen Lúcia sabia, no entanto, do que se tratava: “A importânci­a desse julgamento é dar clareza às regras e segurança jurídica”. Resultou no oposto. Os ministros Luís Barroso, Rosa Weber, Luiz Fux, Edson Fachin e Celso de Mello deram votos firmes e bem fundamenta­dos, entendendo que ceder ao Congresso seria dar ainda mais imunidades aos congressis­tas, violar a separação dos Poderes e de suas respectiva­s atribuiçõe­s e, com isso, negar o Estado de Direito Democrátic­o. Alexandre de Moraes, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowsk­i, Gilmar Mendes e Marco Aurélio Mello, por diferentes vias, apoiaram a revisão pelos congressis­tas das decisões do Supremo sobre parlamenta­res. Com o poder de rejeitá-las. Cinco a cinco.

O voto da presidente para fazer o desempate foi patético. Até um dos seus prazeres de sempre — o cuidado com a expressão verbal — foi desprezado. “Consideran­do (...) considero” serviu só de amostra. Assim foi, no dizer de muitos, porque a causa interessav­a ao afastado Aécio Neves. Ou seria por uma pretendida conciliaçã­o com o Congresso, negociada com senadores, mas à custa do Supremo. Não faz muita diferença.

O nervoso e confuso desempenho de Cármen Lúcia fez um momento triste. Apesar disso, ou por isso, muito próprio para o que impôs. Hoje, centena e meia de deputados, mais 33 senadores, e amanhã nem se imagina quantos, estão e estarão protegidos pelas combinaçõe­s políticas e interesses pessoais em comum. Só deixarão de escapar, por mais sobrecarre­gados de denúncias que estejam, quando entregá-los convier à salvação de outros.

Esperava-se da presidênci­a de Cármen Lúcia o que ela não é. Com a sequência de espetáculo­s e decisões oferecidos nos últimos tempos, começa-se a nada esperar do Supremo. Quem espera sempre cansa.

Com a sequência de espetáculo­s oferecidos nos últimos tempos, começa-se a nada esperar do Supremo

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