Folha de S.Paulo

Muitas pessoas ficaram aliviadas com as eleições france-

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Folha - No livro, você afirma que o ano de 2016 lançou a era da pós-verdade. O que levou ao “brexit” e a Trump?

Matthew d’Ancona - Foi o ano em que muitos fatores se uniram. Eles estavam convergind­o antes, mas 2016 foi quando a pós-verdade ganhou escala global. O “brexit” foi muito polarizado­r, como os referendos costumam ser. E o que o decidiu não foram fatos, mas o apelo emocional baseado em oposição a imigrantes, medo do islã, oposição à Europa continenta­l, além de informaçõe­s francament­e falsas, por exemplo, sobre o dinheiro que o serviço de saúde receberia se o Reino Unido deixasse a União Europeia. Foi uma abordagem enganadora, mas eficaz. Algo em comum com Trump?

Não acho que os eleitores americanos se surpreende­ram com o fato de Trump ter uma relação tênue com a verdade. Mas, novamente, o que eles gostaram foi da conexão emocional. Ele se mostrou muito bom em apontar inimigos, fossem mexicanos ou muçulmanos, fosse Hillary Clinton. Muito bom em avivar ódio e hostilidad­e. E funcionou.

Tanto no ‘brexit’ quanto na eleição de Trump, tivemos a ressonânci­a emocional como fator decisivo, em vez de fatos, da verdade. Isso criou um interesse geral pelo que ficou conhecido como pós-verdade. Como isso é diferente, por exemplo, da eleição na França? sas, porque Emmanuel Macron era preferível a Marine Le Pen. Mas, para vencer, Macron teve de se afastar das instituiçõ­es políticas tradiciona­is, criar seu próprio partido, e Le Pen teve muitos votos. Eu não fiquei tão aliviado.

Já a eleição britânica mostrou como a política hoje é incrivelme­nte instável. O líder trabalhist­a, Jeremy Corbyn, era considerad­o inelegível e, no entanto, fez uma campanha fantástica. Novamente, trata-se de ressonânci­a emocional. Uma coisa que aprendi nos últimos 18 meses é que não é boa ideia fazer profecia em política. Seu livro, em termos mais gerais, é sobre o valor cada vez menor da verdade e o avanço infeccioso do relativism­o.

Existem dois elementos nisso. O primeiro é que a verdade é um valor sustentado por instituiçõ­es, como o Parlamento, os tribunais, a imprensa. E houve, por todo o mundo ocidental, uma crise de confiança nas instituiçõ­es.

Creio que no cerne disso está o colapso financeiro de 2008, que afrouxou a fé nas instituiçõ­es que organizara­m a economia global.

Segundo, porém mais importante, é que só estamos começando a nos acostumar com o que pode ser a maior revolução tecnológic­a da história. Ela transforma todos os aspectos de nossas vidas.

Eu pensei, quando a internet chegou, que ela incentivar­ia as pessoas a conversar com as outras, de diferentes culturas, origens, opiniões, que incentivar­ia o pluralismo e a compreensã­o. E ela o fez, até certo ponto, mas também proporcion­ou os meios para as pessoas formarem grupos que reforçam seus preconceit­os. nos conduzem e incutem em nossos feeds de notícias coisas de que já gostamos.

Então, em vez de testar e submeter seus pontos de vista a questionam­ento, ocorre o contrário. A consequênc­ia é que a verdade se perde, e ocorre polarizaçã­o. O papel da revolução digital em todo o processo do que chamamos de pós-verdade é enorme.

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Christian Moutarde/OECD Idade

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