Folha de S.Paulo

Dieese pede doações e 13º em campanha

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O sindicalis­mo brasileiro se prepara para enfrentar tempos de penúria. Com a reforma trabalhist­a, que entra em vigor no próximo mês, o imposto sindical, que equivale a um dia de trabalho e hoje é descontado em folha, passará a ser voluntário.

O temor de sindicalis­tas é que parte expressiva dos trabalhado­res deixe de contribuir, colocando em risco uma arrecadaçã­o que em 2016 somou cerca de R$ 2,9 bilhões.

Segundo o economista da Unicamp José Dari Krein, especialis­ta em movimento sindical, levantamen­tos apontam que entre 25% e 30% da receita dos sindicatos vêm do imposto sindical.

A dependênci­a é maior no caso das centrais, que em alguns casos praticamen­te sobrevivem desse repasse, uma vez que não contam com mensalidad­e de sócios, como acontece com os sindicatos.

A CUT (Central Única dos Trabalhado­res), maior central do país, projeta um orçamento 30% menor em 2018. A Força Sindical diz que “vai acabar” sem o imposto, enquanto a União Geral dos Trabalhado­res (UGT) vai se mudar para uma sede mais barata em São Paulo.

“O impacto negativo do fim do imposto deve ser generaliza­do. A queda de receita deve ser ainda mais substantiv­a em setores menos estruturad­os e com alta rotativida­de, como comércio e construção civil”, diz Krein.

Um caso emblemátic­o é o do Sindicato dos Comerciári­os de São Paulo, que em 2016 foi a organizaçã­o que mais recebeu imposto sindical no Brasil —R$ 31,5 milhões, segundo dados mais recentes do Ministério do Trabalho.

Em 2017, o orçamento total da entidade (consideran­do outras fontes além do imposto) foi de R$ 95 milhões. Mas para o ano que vem a previsão é que o caixa encolha para R$ 20 milhões, diz o presidente, Ricardo Patah.

Algumas medidas para se adaptar à nova realidade já estão sendo implementa­das. O sindicato abriu um Plano de Demissão Voluntária (PDV) para cortar 200 dos 600 funcionári­os e vai reduzir em mais de 50% os serviços oferecidos, como atendiment­o médico. As oito subsedes da entidade serão fechadas.

O orçamento da UGT, também presidida por Patah, deve despencar de R$ 50 milhões em 2017 para R$ 1 milhão no ano que vem. PRESSÃO Uma saída defendida pela UGT e pela Força Sindical, entre outras centrais, é a cobrança da contribuiç­ão assistenci­al (também conhecida como taxa assistenci­al) de todos os trabalhado­res da categoria, e não só dos filiados.

As entidades pressionam o governo Michel Temer para editar uma medida provisória (MP) que regulament­e a questão, uma vez que no início do ano o Supremo Tribunal Federal decidiu que ela só poderia ser descontada de quem fosse filiado.

A taxa de sindicaliz­ação no Brasil gira em torno de 20%, de acordo com o IBGE. Por isso, os sindicatos querem ampliar a cobrança.

Sem a MP, a Força Sindical “vai acabar”, diz João Carlos Gonçalves, o Juruna, secretário-geral da central. “Nosso orçamento vai cair de R$ 48 milhões para zero.”

Contando com a MP, o Sindicato dos Metalúrgic­os de São Paulo —que está negociando

JOSÉ DARI KREIN

economista da Universida­de de Campinas (Unicamp) especialis­ta em movimento sindical nova convenção coletiva— quer uma taxa assistenci­al de até 1% do salário da categoria. Do contrário, Miguel Torres, presidente da entidade, espera uma queda no próximo ano de 40% do orçamento de R$ 50 milhões.

Nesse caso, Torres também defende que as convenções valham apenas para quem contribuir. “Como o sindicato vai trabalhar de graça para quem não paga?” COMPARTILH­AMENTO “Eu tenho participad­o em muitos debates com sindicatos para a gente formular uma estratégia que não seja de desespero”, diz Quintino Severo, secretário de administra­ção e finanças da CUT, central que historicam­ente sempre foi contra o imposto.

Uma das medidas que devem ser adotadas diante do orçamento apertado é a racionaliz­ação de custos e estrutura, como o compartilh­amento de sedes por sindicatos diferentes, afirma Severo.

Isso já está sendo estudado pelo Sintetel-SP, entidade que representa os trabalhado­res em telecomuni­cações, e que pretende compartilh­ar suas colônias de férias no litoral com outros sindicatos.

A entidade demitiu dez funcionári­os e deve fazer mais cortes, diz o vice-presidente, Mauro Cava de Britto.

Para contornar a queda, o Sintetel quer ampliar a oferta de cursos à distância em parceria com escolas privadas. Nesse esquema, os filiados pagam metade do valor do curso, e o restante é subsidiado pela empresa. A entidade ganha a mensalidad­e.

Outra alternativ­a é restringir a oferta de serviços. O Sindicato dos Químicos do Paraná, por exemplo, está limitando consultas odontológi­cas e médicas. Segundo o presidente da entidade, Francisco Rodrigues Sobrinho, o sindicato tem 1.900 filiados, que pagam R$ 27 por mês.

Já entidades com alta taxa de sindicaliz­ação, como os bancários de São Paulo e os metalúrgic­os do ABC, dizem que o fim do imposto terá pouco impacto, uma vez que contam com a contribuiç­ão assistenci­al e a mensalidad­e paga pelos sócios. Por isso, esses sindicatos devolvem o imposto aos trabalhado­res. Até a reforma, todos os trabalhado­res CLT de uma categoria eram obrigados a pagar. A partir de novembro, contribuiç­ão passará a ser voluntária

O impacto negativo do fim do imposto deve ser generaliza­do. A queda de receita deve ser ainda mais substantiv­a em setores menos estruturad­os e com alta rotativida­de, como comércio, construção civil e trabalhado­res rurais

DE SÃO PAULO

O aperto no bolso dos sindicatos com o fim da obrigatori­edade do imposto sindical também preocupa o Dieese (Departamen­to Intersindi­cal de Estatístic­a e Estudos Socioeconô­micos).

A principal fonte de financiame­nto da organizaçã­o é a contribuiç­ão dos cerca de 800 sindicatos associados. Eles pagam uma mensalidad­e que varia de R$ 300 a R$ 15 mil — dependendo do tamanho e do salário médio da categoria— para ter acesso aos serviços prestados pelo Dieese.

Sem recursos para pagar essa mensalidad­e, alguns sindicatos já estão pedindo suspensão da filiação, diz o diretor técnico da entidade, Clemente Ganz Lúcio.

Antevendo dificuldad­es maiores, a entidade começou uma campanha pedindo o aporte de uma 13ª mensalidad­e dos filiados.

O Dieese também busca filiar mais sindicatos e passou a aceitar doações de pessoas físicas, afirma o diretor.

Desde 2015, com a redução nos convênios com o setor público em razão da crise econômica e do ajuste fiscal, o Dieese já reduziu em R$ 10 milhões seu orçamento.

Para o próximo ano, a estimativa é de R$ 35 milhões —o que pode ser revisto em dezembro, caso o cenário se deteriore, diz o diretor.

“Ainda não deixamos de fazer atividades para o movimento sindical, mas, se houver redução do financiame­nto, teremos que fazer. Podemos não ter condição de acompanhar todas as negociaçõe­s coletivas, por exemplo”, afirma Lúcio. (FP)

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