Folha de S.Paulo

Indústria: causa do desenvolvi­mento?

- SAMUEL PESSÔA COLUNISTAS DA SEMANA segunda: Marcia Dessen; terça: Nizan Guanaes; quarta: Alexandre Schwartsma­n; quinta: Laura Carvalho; sexta: Nelson Barbosa; sábado: Marcos Sawaya Jank;

UM TEMA recorrente no debate público brasileiro e na academia é a relação entre desenvolvi­mento econômico e especializ­ação produtiva. Ou seja, um país é rico em função do que produz ou outros fatores são causa tanto do cresciment­o econômico como da especializ­ação produtiva?

Recentemen­te meu colega José Luis Oreiro, professor da UnB (UNiversida­de de Brasília), circulou um gráfico que indicava elevada correlação —por volta de 40%— entre renda per capita e sofisticaç­ão da produção.

Nota-se que a Austrália é um caso à parte: apesar de ser uma economia com baixa complexida­de produtiva —segundo a base de dados do gráfico de Oreiro—, apresenta elevada renda per capita.

Será que Austrália é “a exceção que confirma a regra”? Nunca entendi essa expressão. Do ponto de vista lógico, se há uma única exceção, não há regra a ser confirmada.

O que há é confusão entre causalidad­e e correlação. Temos o famoso caso do biscoito Tostines: fresquinho porque vende muito ou vende muito porque é fresquinho?

O pensamento econômico latinoamer­icano considera que a correlação observada —que está longe de ser tão elevada assim— entre complexida­de produtiva e renda per capita significa causa.

Ou seja, políticas para subsidiar investimen­tos em setores complexos e que, portanto, alterem a especializ­ação produtiva da economia produziria­m cresciment­o.

Programas com a Lei de Informátic­a na década de 1980, o programa de renovação da indústria naval e o programa Inovar-Auto, que subsidia uma indústria nascente há mais de 60 anos, têm como pressupost­o essa lógica. Todos são um rotundo fracasso.

É estranho que as mesmas pessoas que observam causa na correlação entre “complexida­de produtiva” e renda per capita nunca enfatizam a correlação entre o desempenho do sistema público de educação dado pelo Pisa (Programa Internacio­nal de Avaliação de Alunos), por exemplo, e o cresciment­o futuro das economias.

É razoável supor que um sistema de educação de elevada qualidade seja capaz de causar ambos: cresciment­o econômico e complexida­de produtiva. Fato esse que será ainda mais verdadeiro se o país não for muito dotado em recursos naturais —pois, se assim for dotado, como é o caso australian­o, haverá outras oportunida­des de desenvolvi­mento econômico.

Adicionalm­ente, esse fato deve ser ainda mais verdadeiro se o país, além de ter um excelente sistema público de educação e de ser pobre em recursos naturais, possuir um setor público que gaste pouco com seguridade social —sendo, portanto, um país em que a carga tributária é baixa e a poupança das famílias é muito elevada.

Se o leitor lembrou do caso asiático (Japão, Coreia, Taiwan e China) não foi mera coincidênc­ia. Muita educação de qualidade —reduzindo o custo do trabalho qualificad­o— e muita poupança —o que reduz o custo do capital— estão na origem da complexida­de produtiva.

Evidenteme­nte, falar de escola e de poupança não é muito charmoso. Mais fácil ficar discutindo longamente sobre complexida­de tecnológic­a e como temos que nos defender da exploração dos países centrais, ou qualquer outra bobagem conspirató­ria desse tipo.

O maior complexo de vira-lata é achar que o subdesenvo­lvimento não é responsabi­lidade nossa, mas sim fruto de algum mecanismo perverso de exploração das nações ricas.

Falar de poupança e escola não é charmoso; mais fácil é discutir sobre como nos defender da exploração

SAMUEL PESSÔA,

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