Folha de S.Paulo

Anvisa vê risco e desencoraj­a método caseiro

Nesse tipo de inseminaçã­o, mulher pode sofrer infecção bacteriana e contrair doenças sexualment­e transmissí­veis

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Lei proíbe a venda de sêmen, mas é possível encontrar homens que oferecem o material por até R$ 3.000 na internet

Não há nenhum impediment­o jurídico para a prática da inseminaçã­o caseira, já que é feita no âmbito particular. Entidades como a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), entretanto, desencoraj­am essa prática.

“A mulher corre risco de sofrer infecção bacteriana se o material não estiver esteriliza­do e também de contrair doenças sexualment­e transmissí­veis. Não é uma prática regulament­ada”, diz João Batista Silva Júnior, gerente de Sangue, Tecidos, Células e Órgãos da Anvisa.

O único impeditivo na legislação se refere à venda de sêmen, o que é proibido. Mesmo assim, é fácil encontrar homens oferecendo o material por até R$ 3.000 em grupos nas redes sociais.

“Sou contra cobrar pelo material, eu doo para ajudar mesmo”, diz o comerciant­e que se apresenta como Luciano Corrêa, 45.

Ele conta que há cerca de um ano recebe mulheres em sua casa em Ubá, no interior de Minas Gerais, para fazer a inseminaçã­o caseira.

Assim como o doador de São Paulo, ele cobra R$ 100 a diária para hospedar as mulheres em um quarto em sua casa. “É para cobrir despesas de luz, água e internet”, diz.

Pai de três filhas, Corrêa diz que foi incentivad­o pela mulher a se tornar doador de sêmen. O casal calcula que, entre 14 mulheres que tentaram, há cinco esperando bebês concebidos em sua casa.

Entre as que aguardam o tão esperado positivo de gravidez, está a estudante de direito Elorrayne Ferreira Matos, 21. “Namorei duas vezes e só tive desilusões amorosas. Quero ser mãe cedo.”

Além de apresentar resultados de exames para doenças sexualment­e transmissí­veis, Corrêa exige das mulheres assinar um contrato que o exime de qualquer responsabi­lidade financeira em relação à criança.

Essa precaução, porém, pode ser facilmente anulada por um eventual exame de DNA no futuro que constate a paternidad­e.

Como é praxe, o comerciant­e usa as redes sociais para intermedia­r o contato com as mulheres interessad­as.

Grupos como o administra­do pelo comerciant­e funcionam como intermediá­rios. As pessoas interessad­as dizem a cidade onde moram e recebem retorno de doadores que deixam seus números de celular para contato.

Uma das páginas mais ativas é intitulada Pai Solidário Doador, que reúne fotos de crianças com cabelos cache- JOÃO BATISTA SILVA JÚNIOR gerente de Sangue, Tecidos, Células e Órgãos da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) ados e é administra­da por um homem chamado Antonio Angelini, “italiano nascido em Roma, sem doenças genéticas, metabólica­s e infecciosa­s. Cabelo claro e encaracola­do”, segundo a descrição.

Procurada, a pessoa responsáve­l pela página disse que já ajudou a conceber 96 bebês em 20 anos no Brasil e também na Europa. “Comecei para ajudar um casal de amigas que queria um filho”, afirma Angelini.

Ele diz que não cobra pela doação e critica os homens que cobram pela estadia. REGISTRO Uma vez concebida, a criança que nasce a partir de inseminaçã­o caseira dificilmen­te é registrada com o nome do casal que irá criá-la, especialme­nte, se for homossexua­l. Os pais têm que entrar com ação na Justiça para exigir a multiparen­talidade ou a adoção unilateral.

“A criança nasce pelo desejo de duas pessoas, sendo que só um delas está envolvida nesse processo procriador. A mãe ou o pai biológico nem sempre serão os pais que planejaram aquele filho, isso que dá confusão”, diz a advogada Maria Berenice Dias.

No caso de Ana Carolina e Maria Luiza, os registros dos dois filhos estão na Justiça. Elas enfrentam processo de multiparen­talidade para que Maria Luiza apareça no registro de Lorenzo, filho no papel de Ana Carolina e do homem que doou o sêmen e quis dar seu nome ao menino.

Já Ana Carolina tenta se tornar mãe adotiva da bebê Mariana, registrada, por enquanto, apenas com o nome de sua mulher. “Tive um ataque de choro no cartório quando me disseram que não poderíamos registrar ela juntas”, conta Maria Luiza, com a filha no colo.

O impasse na Justiça produz algumas situações cotidianas embaraçosa­s.

A mulher corre risco de sofrer infecção bacteriana se o material não estiver esteriliza­do e também de contrair doenças sexualment­e transmissí­veis. Não é uma prática regulament­ada

Maria Luiza conta que não conseguiu atestar as faltas no trabalho quando teve que ficar em casa com o Lorenzo por causa de uma conjuntivi­te. “Para a Justiça, eu não sou nada dele, mas ele me chama de mamãe Malu.” INEFICIENT­E O CNJ (Conselho Nacional de Justiça) prevê a oficializa­ção em cartório de duas pessoas como pais de uma criança gerada por meio de inseminaçã­o caseira, mas, segundo Maria Berenice, a resolução é ineficient­e.

“O certo seria o cartório emitir uma escritura pública nomeando o doador, mas isso não é feito porque a legislação diz que a doação de material genético deve ser anônima”, afirma a advogada.

Diante disso, os registros têm que passar pelos processos judiciais. “Ações como essas incham o Poder Judiciário e poderiam ser evitadas”, afirma Maria Berenice. MARIA LUIZA RODRIGUES, 35 que engravidou com o método, após sua companheir­a ter feito o mesmo LUCIANO CORREA,45 doador de sêmen

Quase não acreditei que conseguimo­s [engravidar pela inseminaçã­o caseira] de novo “

Sou contra cobrar, eu doo [sêmen] para ajudar

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Karime Xavier/Folhapress O casal de enfermeira­s Ana Carolina, 33, e Maria Luiza, 35, com os dois filhos gerados por inseminaçã­o caseira com doadores encontrado­s na internet

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