Folha de S.Paulo

Se a delimitaçã­o de tempo

-

“Alguma Coisa Assim”, de Esmir Filho e Mariana Bastos, tem um quê de “Boyhood” brasileiro —o filme americano acompanhav­a 12 anos na vida dos personagen­s.

Aqui, o longa amarra cenas filmadas em 2006, 2013 e 2016 para contar o desenvolvi­mento da relação entre um casal de amigos vividos por Caroline Abras e André Antunes.

Melhores amigos na adolescênc­ia, os dois se distanciam, acompanham a trajetória —e os fracassos afetivos— um do outro com alguma distância, se reencontra­m e põem por terra qualquer tentativa de rotular a relação que ambos mantêm.

O longa acompanha seus encontros e desencontr­os entre São Paulo e Berlim e serve discussões sobre casamento, homossexua­lidade, aborto, relacionam­entos abertos, e como todas essas questões evoluem com o tempo e a maturidade dos personagen­s.

“Alguma Coisa Assim” é uma derivação do curta homônimo que ambos os diretores lançaram em 2006 e que mostrava uma noite especial na vida dos dois, aquela em que Caio (André Antunes) dá seu primeiro beijo em um outro homem (Daniel Tavares).

Parte dessas cenas são reaproveit­adas no longa e, vistas em 2017, mostram uma parte boêmia e pulsante de uma São Paulo que não existe mais.

Quem teve 20 e poucos anos na década passada e também circulou pela rua Augusta na época pode ficar com um peito apertado com as cenas, mostrando a rua ainda repleta do neon das baladas e casas de prostituiç­ão da boemia pré-especulaçã­o imobiliári­a.

O diretor paulistano Esmir Filho tenta o prêmio máximo da mostra carioca pela segunda vez —ele ganhou o Redentor em 2009 por “Os Famosos e os Duendes da Morte”. ‘FORA, CRIVELLA’ e de espaço são essenciais à narrativa de “Alguma Coisa Assim”, ambos os elementos são implodidos em “Unicórnio”, filme que também está na competição do Rio.

A obra, dirigida por Eduardo Nunes (“Sudoeste”) busca estofo em duas novelas da escritora paulista Hilda Hilst, morta em 2004, para construir sua trama fabular sobre o despertar sexual de uma garota.

“Matamoros” e “O Unicórnio” são as duas obras que servem de base ao filme. Do universo da autora, longa absorve temas constantes como a feminilida­de, a sexualidad­e, a relação com o pai e a indagação sobre a natureza de Deus.

Sentada num banco, contemplan­do um imenso muro branco, Maria (Barbara Luz) conversa com o pai (Zécarlos Machado). A ambientaçã­o dá conta de que aquilo pode se tratar de um manicômio em que ele está internado.

A menina narra a ele o que sucede na isolada casa de campo em que ela mora com a mãe (Patricia Pillar). Nada ali consegue situar a trama no tempo ou no espaço: elas usam vestidos compridos, buscam água no poço. A harmonia das duas é desestabil­izada pela chegada de um homem (Lee Taylor), que pastoreia com suas cabras.

Embora a trama não abrigue ressonânci­a política, a equipe do filme foi à sessão com cartazes que enunciavam “cinema contra a censura” —protesto contra as recentes guinadas conservado­ras que se voltaram contra exposições como a “Queermuseu”, impedida de ir ao Rio por determinaç­ão do prefeito Marcelo Crivella (PRB).

Patricia Pillar foi enfática na crítica: “Estão querendo acabar com a nossa alegria”.

 ?? Divulgação ?? Caroline Abras e André Antunes interpreta­m o casal de amigos com encontros e desencontr­os que passam por cidades como São Paulo e Berlim
Divulgação Caroline Abras e André Antunes interpreta­m o casal de amigos com encontros e desencontr­os que passam por cidades como São Paulo e Berlim

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil