Folha de S.Paulo

Diretor estreante confirma boa onda latino-americana

- CÁSSIO STARLING CARLOS

FOLHA

A predominân­cia de produções argentinas e, ocasionalm­ente, chilenas no circuito alternativ­o pode dar a impressão (errada) de que não existe cinema potente também sendo realizado em outros pontos da América Latina.

A Colômbia, por exemplo, além da indicação ao Oscar de filme estrangeir­o por “O Abraço da Serpente”, no ano passado, vem se impondo em festivais de todo porte.

“El Amparo”, coprodução colombiana-venezuelan­a premiada como melhor filme e roteiro na última Mostra de Cinema de SP, confirma a boa onda com um ponto de vista incomum sobre questões que, de norte a sul, selam nossa história e destino.

Em seu primeiro longa, o diretor Rober Calzadilla parte de um caso real ocorrido nos anos 1980, quando dois aldeões escaparam da matança, por militares, de supostos guerrilhei­ros.

Pinilla e Chumba saíram para pescar com um grupo de amigos, que não deu mais notícias. O Exército e a imprensa divulgam que eles planejavam atacar uma usina e foram mortos na operação. Os sobreviven­tes alegam que estavam no rio, quando ouviram tiros e fugiram.

A narrativa se elabora, num primeiro momento, a partir dessas versões contraditó­rias, mas o filme não se limita a rebater verdade e mentiras.

Policiais, militares, jornalista­s e promotores entram na roda e tornam confusa a distinção de fatos e relatos. “El Amparo” evidencia a manipulaçã­o sofrida pelos dois personagen­s, mas não esclarece, por exemplo, se eles são responsáve­is ou bodes expiatório­s.

Polícia, Justiça e mídia não são demonizado­s de modo primário, como nos filmesdisc­urso, embora fique claro como as relações de poder implicam arbitrarie­dades.

Outra escolha acertada da direção é não manter a comunidade apenas como pano de fundo.

Mulheres, mães, irmãs e filhos compõem um grupo que, além de injetar realismo no drama, reflete vários níveis de desequilíb­rios e violências, evitando assim a conversão de Pinilla e Chumba em santos.

“A verdade não se come, não mata a fome, não põe leite na mamadeira”, diz uma das mulheres, reconhecen­do que os problemas não se resolvem na solução do caso.

Investir numa trama que vai além da reconstitu­ição e da denúncia eleva “El Amparo” a outro patamar de cinema, nada simplista e mais verdadeiro. (IDEM) DIREÇÃO Rober Calzadilla ELENCO Vicente Quintero, Giovanni García e Vicente Peña PRODUÇÃO Venezuela/Colômbia, 2016, 14 anos QUANDO em cartaz AVALIAÇÃO

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John MacDougall/AFP Visitante em estande em Frankfurt

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