Folha de S.Paulo

Protagonis­ta do atraso

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AO ANUNCIAR na última segunda (9) a revogação do Plano de Energia Limpa (Clean Power Plan), que estabeleci­a a redução gradual das emissões de gases estufa nos Estados Unidos, o governo Trump confirmou na prática o abandono do Acordo do Clima e deu sequência à gigantesca operação de desmonte da política ambiental daquele país.

Um levantamen­to do “New York Times” apurou que, nos primeiros dez meses de governo, Trump priorizou a anulação de pelo menos 52 normas ambientais consolidad­as na gestão anterior. Dessas, 25 já se tornaram sem efeito, 19 estão prestes a virar fumaça e outras nove estão no limbo por causa de atrasos ou ações judiciais. As mudanças atendem a pedidos feitos pelas empresas de petróleo, carvão e gás, e por setores da indústria que se considerav­am perseguido­s ou prejudicad­os por Barack Obama.

Um terço dessas anulações se deu a partir da intervençã­o direta de Scott Pruitt, negacionis­ta do clima escolhido por Trump para chefiar a EPA (Environmen­tal Protection Agency), cuja missão institucio­nal seria a de proteger a fauna e a flora, a qualidade do ar e das águas, a saúde e o bem-estar dos americanos a partir do uso inteligent­e e sustentáve­l de seus recursos naturais.

Trump anulou as principais medidas de adaptação às mudanças climáticas, desobrigou as companhias de petróleo e gás de reportarem as emissões de gás metano (importante gás de efeito estufa), revogou a proibição para a exploração de petróleo no Ártico, reduziu as restrições à mineração no Alasca, flexibiliz­ou o licenciame­nto de agrotóxico­s (como o chlorpyrif­os, que representa­ria risco para o desenvolvi­mento fetal, segundo relatório da EPA), entre outras medidas controvers­as que teriam como principal justificat­iva destravar a economia.

A reação a essas decisões tem sido explosiva, e o governo Trump já foi obrigado pela Justiça a voltar atrás em pelo menos três outras medidas. Foram mantidos os níveis de tolerância para a poluição causada pelo gás ozônio, a obrigatori­edade de o governo divulgar os níveis de eficiência dos eletrodomé­sticos, e a regulação da destinação final da amálgama dentária (composta de mercúrio e outros metais tóxicos).

Em tempos de crise ambiental sem precedente­s, isolado do mundo no enfrentame­nto da crise climática, o governo Trump é protagonis­ta do atraso, do descaso com a vida e com um modelo de desenvolvi­mento de longo prazo, seguro e sustentáve­l. Lá, como no Brasil, o conflito de interesses entre público e privado tem determinad­o escolhas desastrosa­s e ameaçadora­s para o nosso futuro comum. É tempo de reagir.

Em dez meses de governo, Donald Trump fez operação de desmonte da política ambiental norte-americana

AMÉRICO JOSÉ escreve na próxima semana

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