Folha de S.Paulo

Inquirir Aécio

Senado não pode se furtar de cobrar explicaçõe­s do tucano, envolvido em episódio grave e documentad­o; Conselho de Ética deve examinar o caso

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Em 24 de março, no sétimo andar de um hotel paulistano, o senador Aécio Neves (PSDB-MG) encontrou-se com Joesley Batista, do grupo JBS, sem saber que a conversa estava sendo gravada.

São estarreced­ores os termos do diálogo. A um dado momento, o ex-candidato tucano ao Planalto pergunta se o empresário pode lhe “dar uma ajuda” de R$ 2 milhões, recebendo resposta afirmativa.

Combinam-se os termos da entrega. Seria feita em quatro parcelas de R$ 500 mil, em dinheiro vivo. Logo em seguida, o senador declara a Joesley Batista que poderia atendê-lo na indicação de dirigentes da Vale—não lhe sendo mais possível nomear, para o cargo de presidente da empresa, a figura preferida pelo dono da JBS.

Duas semanas depois, um parente de Aécio Neves vai ao escritório da JBS e recolhe a primeira parcela. Na semana seguinte, nova entrega, e as cenas em que se conta e transporta o dinheiro são filmadas pela Polícia Federal.

Prossegue nesse teor, com notável grau de detalhamen­to, a denúncia apresentad­a pela Procurador­ia-Geral da República contra o tucano —cuja sorte política se encontra no fio de iminente decisão.

Cabe ao plenário do Senado, em sessão inicialmen­te marcada para hoje, decidir se ratifica ou não o afastament­o de Aécio Neves, determinad­o, ao lado de outras medidas cautelares, pela primeira turma do STF. Tão constrange­dora é a situação que se cogitou estabelece­r o sigilo sobre os votos.

Como se sabe, a hipótese de punição imediata, sem exame da Casa legislativ­a, foi recusada pela corte, por seis votos a cinco. Cumpria, naquele momento, salvaguard­ar o princípio da independên­cia entre os Poderes republican­os.

Por mais fortes os indícios que pesem contra um parlamenta­r, por delitos supostamen­te cometidos no exercício de seu mandato, apenas em casos de flagrante por crime inafiançáv­el teria o Judiciário atribuiçõe­s constituci­onais para decretar medidas punitivas sem anuência do Legislativ­o.

Preservado esse princípio, a decisão recai sobre o Senado.

É certo que, no atual ambiente político, persistem os riscos do prejulgame­nto e da caça às bruxas — de que participam tanto a opinião pública quanto setores da Justiça.

A depender do Parlamento, contudo, o vício inverso do acobertame­nto e da cumplicida­de sem dúvida tende a triunfar.

O Senado tem no seu Conselho de Ética o órgão apropriado para desenvolve­r um julgamento que, devido ao corporativ­ismo reinante entre os políticos, quer-se abafar a todo custo. Aécio Neves precisa, no mínimo, ser oficialmen­te inquirido por seus pares.

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