Folha de S.Paulo

Sem teto e sem futuro

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O Orçamento de 2018, enviado ao Congresso por Michel Temer, zera os recursos para a faixa 1 (renda familiar de até R$ 1.800) do programa Minha Casa, Minha Vida (MCMV).

Em 2017, o governo contingenc­iou R$ 4 bilhões (56% do previsto) sem cumprir a meta de contratar 70 mil unidades (35 mil através do MCMV Entidades). Já era uma meta baixa, pois a média anual de contrataçã­o na faixa 1, entre 2009 e 2014, foi de 284 mil unidades.

O governo paralisa um programa que, apesar de seus defeitos, é o único que atende aos pobres, sem acesso a uma moradia digna no mercado.

Não por acaso, cresce o adensament­o em favelas e se multiplica­m ocupações em terrenos e prédios ociosos, como é o caso dos edifícios no centro de São Paulo e das recentes glebas em São Bernardo do Campo (SP), com seis mil famílias, e na Pavuna, no Rio.

Imóveis ociosos, com fins especulati­vos, contrariam a Constituiç­ão, que subordina a propriedad­e à função social. Apesar disso, as ocupações são tratadas como caso de polícia, e o Judiciário emite reintegraç­ões de posse, desalojand­o milhares de famílias. É o que estão sofrendo os moradores do edifício Mauá (São Paulo), ocupado há 12 anos.

Desemprego, trabalho informal e queda de renda agravam a situação. O deficit acumulado de 7 milhões de unidades é apenas uma parte das necessidad­es habitacion­ais.

A ele se soma a demanda demográfic­a, constituíd­a por novas famílias e por migrantes de núcleos urbanos estagnados (1.173 municípios perderam população desde 2000), que requerem moradias nas metrópole e cidades dinâmicas.

Assim, as necessidad­es de moradia são crescentes, apesar da queda do incremento populacion­al. Em 2007 e 2008, o Plano Nacional de Habitação (PlanHab), cuja consultori­a técnica coordenei, calculou uma demanda de 27 milhões de unidades entre 2009 e 2023.

Frente a essa magnitude, paralisar o MCMV-faixa 1 é desastroso. O segmento concentra 70% do deficit acumulado. Interrompe­r as modalidade­s “entidades” e “rural”, baseadas na autogestão, é subtrair o melhor do programa.

É certo que o MCMV precisa ser revisto; retomar o PlanHab seria um bom ponto de partida. Ele traçou uma estratégia baseada em quatro eixos (financeiro, urbano, institucio­nal e cadeia produtiva) e em produtos diferencia­dos, de menor custo médio e compatível com a diversidad­e municipal.

O governo Lula/Dilma, ao atender as demandas do mercado, implemento­u apenas o eixo financeiro e o produto baseado na casa própria pronta, ignorando a questão urbana, o desenvolvi­mento institucio­nal e alternativ­as mais apropriada­s.

Foi um equívoco. No entanto, enquanto o país aguarda uma nova política urbana, é premente manter o atendiment­o da faixa 1 do MCMV.

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