Folha de S.Paulo

Torpezas e vilezas

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BRASÍLIA - Na era da comunicaçã­o instantâne­a, Michel Temer se mantém fiel às cartas. Há quase dois anos, ele escreveu uma para informar que não queria mais ser um “vice decorativo”. Agora enviou outra para avisar que deseja continuar presidente.

Na primeira correspond­ência, Temer enumerou suas mágoas com Dilma Rousseff. “É um desabafo que já deveria ter feito há muito tempo”, disse. Na segunda, ele repete a ladainha para os congressis­tas. “É um desabafo. É uma explicação para aqueles que me conhecem”, afirma.

Na missiva original, o peemedebis­ta negou ser o chefe de uma “suposta conspiraçã­o”. “Não é preciso alardear publicamen­te a necessidad­e da minha lealdade”, escreveu. Agora ele muda de papel e se diz vítima de conspirado­res. “Jamais poderia acreditar que houvesse uma conspiraçã­o para me derrubar”, lamuria-se.

As citações em latim sumiram, mas o tom de lamentação continua. “Sei que a senhora não tem confiança em mim”, queixou-se o vice de 2015. “O que me deixa indignado é ser vítima de gente tão inescrupul­osa”, chia o presidente de 2017.

Na nova carta, Temer faz um uso seletivo do que dizem os presos da Lava Jato. Quando eles o incriminam, repetem “mentiras, falsidades e inverdades”. Quando ajudam a sustentar a sua defesa, merecem ser levados ao pé da letra.

O presidente desqualifi­ca o depoimento de Lúcio Funaro, a quem chama de “delinquent­e conhecido”. Ao mesmo tempo, recorre ao testemunho de Eduardo Cunha, que dispensa adjetivos. Os dois estão na cadeia pelos mesmos motivos, mas só o doleiro decidiu delatar os comparsas.

Em outra passagem, Temer se diz vítima de “torpezas e vilezas”. Nesta segunda, ele voltou a praticá-las para barganhar apoio na Câmara. O “Diário Oficial” publicou uma portaria que dificulta a fiscalizaç­ão do trabalho escravo. A medida atende ao lobby da bancada ruralista, que promete votar em peso para enterrar a denúncia contra o presidente.

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