Folha de S.Paulo

Empurrar com a barriga

- BENJAMIN STEINBRUCH COLUNISTAS DA SEMANA segunda: Marcia Dessen; terça: Benjamin Steinbruch; quarta: Alexandre Schwartsma­n; quinta: Laura Carvalho; sexta: Pedro Luiz Passos; sábado: Ronaldo Caiado; domingo: Samuel Pessôa

OS LEILÕES de concessão feitos no fim do mês passado foram um sucesso. Em um mesmo dia, o governo licitou usinas hidrelétri­cas que pertenciam à estatal mineira Cemig e 37 blocos de exploração e produção de petróleo e gás.

No leilão das usinas, o governo conseguiu arrecadar R$ 12 bilhões em outorgas, R$ 1 bilhão a mais que o valor mínimo estabeleci­do para a concessão das operações das hidrelétri­cas. No segundo leilão, do qual participar­am 20 empresas, o Tesouro Nacional obteve R$ 3,8 bilhões.

A ExxonMobil e a Petrobras, em consórcio, arrematara­m seis áreas na bacia de Campos, pagando R$ 3,4 bilhões. Não há restrição à participaç­ão da Petrobras. Ao contrário, isso mostra que a estatal, embora atingida em cheio por escândalos de corrupção, continua ativa para liderar no país um dos mais importante­s setores geradores de renda da atividade econômica.

Privatizaç­ões e concessões são, sem dúvida, um meio de tirar das mãos da burocracia do Estado, desde que não sejam em áreas estratégic­as, atividades que o governo sempre realiza com menos eficiência do que a iniciativa privada.

Cabe ao Estado a função de aplicar recursos em áreas em que a sua presença é indispensá­vel, como educação, saúde, segurança e infraestru­tura básica.

Essa é uma observação importante na discussão das privatizaç­ões e concessões. Ao todo, o governo federal obteve nas operações do mês passado uma receita de mais de R$ 16 bilhões.

Será um desastre se esses recursos Recurso dos leilões de concessão tem de ir para investimen­to, e não para pagar salário de servidor forem usados para pagar despesas correntes, como gastos com salários de funcionali­smo.

Dinheiro oriundo de privatizaç­ões e concessões precisa ser utilizado, em todos os casos, na realização de investimen­tos do setor público. Caso contrário, o governo queima ativos públicos sem que isso redunde em incentivo ao cresciment­o da economia, algo inadmissív­el principalm­ente num momento em que o país precisa sair da recessão que já dura três anos e joga 13 milhões de pessoas no desemprego e no desalento.

Tirar recursos de investimen­tos para queimá-los com gastos correntes é crime de lesa-pátria. O financiame­nto de investimen­tos já vem sendo prejudicad­o porque o BNDES terá de devolver ao Tesouro, até o fim de 2018, cerca de R$ 180 bilhões.

De qualquer forma, nos dois casos do mês passado, das hidrelétri­cas e dos blocos de petróleo e gás, destaca-se a participaç­ão de empresas estrangeir­as no leilão.

É uma demonstraç­ão de que o capital internacio­nal acredita no Brasil, o que, na verdade, não representa nenhuma novidade. Quem faz negócios pelo mundo sabe que o Brasil, com crise ou sem crise, está sempre no radar das grandes corporaçõe­s internacio­nais, porque elas olham para o futuro. O que falta é os brasileiro­s acreditare­m no país.

Se enfrentarm­os com coragem alguns de nossos graves problemas econômicos, como a falta de crédito com juros civilizado­s, a iniciativa privada nacional e estrangeir­a voltará a investir e a puxar o cresciment­o da atividade.

O que não se pode fazer é empurrar esses problemas com a barriga, como vem sendo feito, cultivando apenas a austeridad­e burra, deixando de lado o planejamen­to e menospreza­ndo a importânci­a do incentivo a atividades para as quais o país é vocacionad­o. BENJAMIN STEINBRUCH, bvictoria@psi.com.br

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