Folha de S.Paulo

ANÁLISE Lei agrada comandos, mas também os amarra à realidade

- IGOR GIELOW

A sanção do projeto devolvendo à Justiça Militar a competênci­a para julgar crimes dolosos contra a vida cometidos durante operações das Forças Armadas responde a uma demanda antiga dos militares acerca da segurança jurídica de suas ações.

Ao mesmo tempo, a nova lei os amarra à realidade da crescente demanda por sua ação nas chamadas GLO (operações de Garantia da Lei e da Ordem).

Como isso é dado como fato consumado, a adequação legal retira parte do argumento contrário, nos comandos, à participaç­ão de ações de pacificaçã­o urbana.

Militar não gosta de subir em morro. Não é treinado para isso de forma primária, tanto que as mais recentes intervençõ­es na área de segurança do Rio obedecem ao que a lei prevê para as GLO: ações pontuais, de apoio às forças policiais por tempo determinad­o. Desde 2010, foram mais de 30 convocaçõe­s para operações desse tipo.

Não há números disponívei­s, mas há notícias esparsas de vítimas civis da ação de militares em operações, o que leva entidades de defesa dos direitos humanos a temer que a nova lei gere um clima de “liberou geral” nas tropas.

Isso só poderá ser atestado na prática, com cobrança por transparên­cia nos processos —que costumam, ao tratar de assuntos disciplina­res, ser mais expressos do que aqueles da Justiça comum. ‘FORO PRIVILEGIA­DO’ A outra crítica à lei, de que haverá uma espécie de “foro privilegia­do” porque os militares serão julgados por seus pares numa instituiçã­o sem independên­cia, esbarra na observação da composição dos tribunais.

As 19 auditorias militares, a primeira instância, sempre têm um juiz civil, “togado” no jargão, na função de relator dos casos. E o Superior Tribunal Militar, instância máxima para onde invariavel­mente os casos se dirigem, é presidido por um civil —são 10 juízes militares e 5 “togados”.

Há preponderâ­ncia de militares, mas não exatamente uma “corte fardada”.

Novamente, apenas o acompanham­ento de casos poderá provar ou reprovar assertivas sobre isso.

Já a comparação com o que ocorria durante a ditadura (1964-85), como faz a Anistia Internacio­nal, parece fora de propósito na prática, ainda que comprove a perene sombra que o golpe lança sobre o debate de todos os assuntos militares no Brasil.

O Ministério da Defesa apresenta uma lista de incongruên­cias associadas à lei, surgida em 1996 na esteira do massacre da Candelária (1993) e que visava policiais militares, não soldados da União. Por exemplo: um civil que matar um militar durante uma GLO é julgado na Justiça Militar, enquanto o contrário não ocorria.

Toda a discussão, contudo, só pode ser entendida no contexto do cabo de guerra entre Forças Armadas e as demandas de Estados falidos em sua política de segurança pública, o que leva a outras questões, como a ampliação do papel da Força Nacional de Segurança Pública.

Com a deterioraç­ão do ambiente de segurança decorrente do agravament­o das contas estaduais, o debate está longe de terminar.

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