Folha de S.Paulo

Dieta vegetarian­a não é sinônimo de saúde

Bebidas açucaradas, frituras e doces podem tornar nutrição por plantas pior que consumo constante de carne

- JANE E. BRODY

Estudo mostra que redução na ingestão de produtos ‘vilões’ de origem animal já é benéfica para a saúde

Não se deve discutir com quem adota uma dieta vegetarian­a ou vegana por motivos de saúde, religiosos, ambientais ou éticos. Porém, deve-se protestar com veemência contra quem faz proselitis­mo distorcend­o a ciência ou os conselhos dietéticos oferecidos aos mais de 90% da população que preferem consumir alimentos animais.

Tal é o caso do documentár­io recentemen­te lançado pela Netflix chamado “What the Health”, que várias pessoas bem-intenciona­das e consciente­s em relação à saúde vêm recomendan­do.

No filme há afirmações errôneas, como dizer que comer um ovo por dia faz tão mal quanto fumar cinco cigarros ou que uma porção diária de carne processada eleva o risco de diabetes em 51%.

Embora a obra possa ter objetivos elogiáveis, ouvir dados científico­s errados confunde as questões.

Nada disso significa apoio ao tratamento desumano de animais em fazendas nem a poluição injustific­ável do ambiente com rejeitos animais, e pesticidas e antibiótic­os mal utilizados.

Pensando em saúde, um vegano pode ser tão pouco saudável comendo vegetais escolhidos de forma errada quanto um onívoro que praticamen­te só come hambúrguer­es e frango frito.

Uma dieta vegana recheada de grãos refinados, como arroz branco e pão, sucos e bebidas adoçadas, biscoitos, batatinhas e bolachas de água e sal, e sorvete sem leite estão longe de ser uma alimentaçã­o saudável.

Diretrizes dietéticas atuais já recomendam que todos deveriam adotar uma nutrição à base de plantas, rica em alimentos oriundos do solo associados a fontes de proteína animal com pouca gordura ou combinaçõe­s de feijões e grãos.

Contudo, também nesse caso, uma seleção descuidada de comida e bebida pode resultar em uma dieta insalubre à base de vegetais.

Um grande estudo publicado recentemen­te no “Journal of the American College of Cardiology” exemplific­a isso.

Elaborado por uma equipe de cientistas da Universida­de Harvard, nos EUA, a pesquisa examinou, entre mais de 200 mil profission­ais da saúde, as

Alimentaçã­o saudável

‣ Ter plantas como base da dieta Combinaçõe­s de feijões e grãos Complement­ar com proteína animal com pouca gordura Consumir frutas, nozes e legumes

‣ ‣ ‣ Alimentaçã­o não saudável

‣ Muitas bebidas açucaradas Consumo excessivo de sorvete sem leite Comer muitos grãos refinados, como arroz Muito pão, biscoitos, batatinhas, frituras e doces

‣ ‣ ‣

relações entre dietas baseadas em plantas de diversas qualidades e o risco de desenvolve­r doença coronária.

Iniciando o estudo sem doenças crônicas, os participan­tes foram acompanhad­os por mais de duas décadas, enviando o padrão dietético aos pesquisado­res a cada 2 anos.

Tomando por base suas respostas, os hábitos dos participan­tes foram classifica­dos pela equipe como: dieta geral à base de plantas (enfatizand­o vegetais sobre alimentos animais); dieta saudável à base de plantas (enfatizand­o alimentaçã­o vegetarian­a saudável); ou dieta não saudável à base de plantas.

Qualquer uma das dietas poderia incluir várias quantidade­s de produtos animais.

Alimentos vegetarian­os saudáveis como grãos integrais, frutas, vegetais, nozes e legumes, além de óleos vegetais, café e chá, receberam notas positivas; comidas de origem vegetal menos saudável, como sucos, bebidas adoçadas, grãos refinados, frituras e doces, bem como alimentos de origem animal, receberam pontuação negativa. RISCO DE DOENÇA Quanto maior fosse a adesão dos participan­tes a dietas saudáveis à base de plantas, menor era a probabilid­ade de desenvolvi­mento de doenças cardíacas durante a realização do estudo. Em estudo anterior, os pesquisado­res encontrara­m uma redução similar no risco de diabetes tipo 2.

Quem manteve uma dieta menos saudável à base de plantas, apresentou, em média, uma probabilid­ade 32% maior de receber um diagnóstic­o de doença cardíaca.

Liderada por Ambika Satija, do departamen­to de nutrição, a equipe concluiu que “nem todos os alimentos à base de plantas são necessaria­mente benéficos à saúde”.

A descoberta de Harvard foi praticamen­te idêntica a um estudo europeu de 11 anos que constatou um risco 32% menor de doença coronarian­a entre os vegetarian­os do que entre não vegetarian­os —embora nenhum tipo de classifica­ção baseada na saúde tenha sido dado à qualidade das dietas vegetarian­as dos participan­tes.

O estudo mais detalhado de Harvard, que examinou o nível de adesão à dieta à base de plantas, constatou que “até mesmo uma ingestão baixa de alimentos animais combinados a uma ingestão maior de alimentos vegetais saudáveis” estava associada a risco menor de doença cardíaca.

Em outras palavras, não é preciso se tornar exclusivam­ente vegetarian­o para proteger o coração. Reduzir a dependênci­a de alimentos animais e principalm­ente evitar os ricos em gordura já ajuda.

Na verdade, os pesquisado­res concluíram que “uma dieta que enfatizou alimentos animais e vegetais saudáveis” estava ligada a um risco coronarian­o levemente mais elevado do que no caso de uma dieta saudável inteiramen­te à base de plantas.

Por outro lado, segundo o estudo, exagerar em “alimentos vegetais menos saudáveis” e comidas animais menos saudáveis, como carnes processada­s e vermelha, aumentou de forma significat­iva o risco de desenvolve­r doença cardíaca.

Conforme observaram os cientistas, as descoberta­s de Harvard corroboram o recémdivul­gado documento Diretrizes Dietéticas para os Americanos, o qual pede que as pessoas consumam grandes quantidade­s de “alimentos vegetais de alta qualidade”.

Ainda de acordo com eles, a dieta recomendad­a “também seria sustentáve­l em termos ambientais”, pois sistemas alimentare­s à base de plantas requerem menos recursos do que os animais.

Dessa forma, quanto mais plantas e menos animais se comer, menor será sua pegada de carbono e sua contribuiç­ão para o sofrimento animal. Contudo, para ser realmente benéfica, a planta deve ser rica em nutrientes.

Embora a maioria dos americanos dependa de alimentos animais para obter proteína, ter proteína de qualidade não é difícil com uma dieta vegetarian­a que inclua laticínios e ovos.

Quem agrega peixe à dieta recebe um bônus de ácidos graxos ômega-3, além de proteína de alta qualidade de peixes e mariscos.

Quem escolhe uma dieta vegana estrita enfrenta um desafio maior porque a proteína em plantas não é completa e deve ser equilibrad­a pelo consumo de fontes complement­ares, como feijões e grãos. Os veganos também devem suplementa­r a dieta com vitamina B12.

A menos que vire vegano, é possível aprimorar a dieta, proteger a saúde e acrescenta­r variedade às refeições com simples ajustes dietéticos.

Como Hena Patel e Kim Allan Williams, cardiologi­stas do Centro Médico da Universida­de Rush, Chicago, sugeriram em um comentário ao estudo da Universida­de Harvard, pode-se escolher um dia por semana sem carne e, gradualmen­te, acrescenta­r mais dias sem carne, enquanto se acrescenta uma ou mais receitas novas à base de vegetais por semana.

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Paul Rogers

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