Folha de S.Paulo

Em Paris, proibição do Louvre a escultura gera polêmica

Museu credita veto a falta de tempo para análise do governo, mas, segundo jornal, diretor do museu chamou obra de ‘brutal demais’

- MAURÍCIO TORRES ASSUMPÇÃO

FOLHA,

Após o fechamento da “Queermuseu”, a interdição da mostra no Rio e o escândalo causado pela performanc­e “La Bête”, no Museu de Arte Moderna de SP, muitos olhos se voltaram à Europa.

O farol da civilizaçã­o, porém, pisca quando o maior museu do mundo interdita uma obra por razão duvidosa.

Por um lado, a França irradia ideias arrojadas e nortes morais, sociais e políticos.

Um museu como o d’Orsay, em Paris, lança campanhas para atrair o público jovem, sobretudo crianças, com slogans que deixariam o pastorpref­eito Marcelo Crivella (PRB) de topete arrepiado. “Tragam seus filhos para ver gente nua”, diz um deles, sobre a tela “Mulher Nua Deitada” (1907), de Auguste Renoir.

Mas, no outro lado do rio Sena, o Museu do Louvre acaba de vetar uma obra na tradiciona­l Feira Internacio­nal de Arte Contemporâ­nea, que ocorre de 19 a 22 de outubro.

“Domestikat­or”, esculturah­abitáculo de 12 m de altura que sugere um homem copulando com um animal, deveria ser exposta ao ar livre, mas a obra do ateliê holandês Van Lieshout não foi autorizada.

Em público, a direção do museu culpou o calendário: não haveria tempo para que o trabalho fosse aprovado pelas comissões encarregad­as.

Contudo, como revelou o “Le Monde”, o presidente do Louvre, Jean-Luc Martinez, foi explícito em carta envia- da à direção do evento: “circulam rumores na internet que atribuem a esta obra uma visão brutal demais, que pode ser mal interpreta­da pelo nosso público tradiciona­l”.

“É de uma hipocrisia total”, reagiu o artista holandês Joop Van Lieshour. “Em Bochum (Alemanha), turmas inteiras de colégios vieram conhecer o ‘Domestikat­or’.” Paao ra ele, “se crianças viram algo de sexual, é porque já têm idade para ver essas coisas”.

“É ridículo, senão ilegal!”, protesta a advogada Agnès Tricoire, fundadora do Observatór­io da Liberdade de Criação, que defende artistas censurados. “Se seguirmos a lógica, teremos de listar telas que deveriam ser retiradas.”

A ONG francesa ressalva que a arte pode ter limites. A pedofilia, por exemplo, aceita na literatura (como em “Lolita”, de Nabokov), é um dos tabus que provocam reações.

Daí a definição de Tricoire: “A pedofilia num desenho é uma coisa. Mas, obviamente, jamais aceitaríam­os que uma criança participas­se de ato sexual numa obra de arte”.

Se na França a classifica­ção por faixa etária se limita cinema e ao teatro, como no Brasil, nos museus ela fica por conta do curador.

A direita francesa pode ser atuante, como demonstrou em protestos contra o casamento homossexua­l. A escultura “Dirty Corner”, do judeu Anish Kapoor, é bom exemplo. Exposta nos jardins do Palácio de Versalhes, a obra recebeu pichações antissemit­as em setembro de 2015.

Meses antes, a escultura inflável “Tree”, do americano Paul McCarthy, que lembra um brinquedo erótico, já havia sido vandalizad­a no centro de Paris, enquanto o artista recebia bofetada de um moralista mais exaltado.

Em tempo: o museu Centre Pompidou, também em Paris, já se ofereceu para abrigar o ‘Domestikat­or’.

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Heike Kandalowsk­i/Atelier Van Lieshout A escultura-habitáculo ‘Domestikat­or’, vetada no Louvre

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