Planos de saúde para idosos podem ficar impraticáveis
ESPECIALISTAS EM SAÚDE COLETIVA DIZEM QUE PROJETO DE LEI NA CÂMARA ‘RASGA’ ESTATUTO DAQUELES ACIMA DE 60 ANOS
A proposta de nova lei de planos de saúde apresentada na Câmara dos Deputados no dia 18 de outubro é um desserviço aos usuários, não cobre necessidades de saúde, “rasga” o Estatuto do Idoso e só beneficiará o mercado.
A afirmação vem dos professores de saúde coletiva Ligia Bahia (UFRJ) e Mario Scheffer(USP), que pesquisam políticas de saúde, planos e seguros privados.
“A urgência de uma lei tem as digitais das operadoras, assíduas financiadoras de campanhas eleitorais”, afirma Scheffer, 51.
Sobre o reajuste de planos dos idosos, defendido pelas empresas, Ligia, 62, afirma que é um equívoco confundir velhice com doença. “O envelhecimento por si só não é o responsável pela elevação de custos na saúde.” Folha - Qual o impacto do relatório da revisão da leis dos planos, que está na Câmara?
Mario Scheffer - O relatório da comissão especial é das empresas de planos de saúde, que abre caminho para normatizar a segmentação de coberturas, prevê liberação do reajuste por faixa etária acima de 60 anos e a diminuição drástica do valor das multas aplicadas em função de atendimentos negados. Também propõe mudança radical no ressarcimento ao SUS, que passa a ter um formato de captação de recursos de hospitais e secretarias de saúde, o que na realidade se trata de claro incentivo à “dupla porta”, o atendimento diferenciado de clientes de planos em unidades públicas. Com a mudança, o SUS passa a ser um prestador de serviços dos planos de saúde.
Essa nova lei, claramente desfavorável às necessidades de saúde, um desserviço ao país, tem as digitais das operadoras, assíduas financiadoras de campanhas eleitorais e que recentemente foram acusadas de comprar a medida provisória do capital estrangeiro que as beneficiou. As negociações na comissão especial foram praticamente secretas. Nas poucas audiências públicas, quem mais participou foi o setor privado. O que achou da proposta da Câmara de reajuste acima de 60 anos? O mercado de planos alega que é importante em razão do aumento da longevidade e do alto custo das doenças crônicas. Há uma outra saída?
Ligia Bahia - A proposta da Câmara rasga o Estatuto do Idoso e ameaça a permanência dos idosos nos planos, ao prever aumentos em progressão geométrica. Serão dois tipos de reajustes, o anual no aniversário do contrato e a cada cinco anos acrescido por um fator multiplicador até o fim da vida. Ficarão impraticáveis as mensalidades que já são mais elevadas para quem tem acima de 60 anos. É um equívoco confundir velhice com doença. O envelhecimento por si só não é o responsável pela elevação de
MARIO SCHEFFER
professor da USP custos na saúde. Inovações diagnósticas e terapêuticas, aumento de condições crônicas em pessoas jovens, por exemplo, obesidade, situações que exigem cuidados permanentes também têm impacto sobre orçamentos públicos e das famílias.
No Brasil, os idosos frequentemente seguem trabalhando e pagando imposto e não são necessariamente doentes. Em muitos países, as políticas são orientadas para a chamada “compressão de morbidade”, que significa prevenir riscos e doenças de modo a permitir que se viva melhor e por mais tempo. Ironicamente, diversos planos especializados em população idosa dão lucro. Entidades de defesa do consumidor defendem que planos coletivos tenham o mesmo reajuste dos individuais. As operadoras dizem que isso as quebraria. Há meio termo?
Mario Scheffer - São praticados índices de reajuste absurdos em contratos coletivos que não são feitos com empresas e, sim, por adesão a produtos fraudulentos. Corretores exigem um CNPJ ou a vinculação artificial a uma organização qualquer. Esses planos que tem natureza claramente individual foram falsamente coletivizados para expandir o mercado e escapar da regulamentação. É lógico que deveriam ser reajustados com os mesmos padrões dos individuais. Nos coletivos de verdade, a negociação entre as partes tende a ser mais equilibrada. Os falsos coletivos são uma aberração. um aumento expressivo das ações judiciais contra planos de saúde. Em São Paulo, são mais de 120 decisões contra planos por dia. Na segunda instância, os julgamentos relativos a planos já superam as ações movidas contra o SUS.
A maior parte das demandas é motivada por exclusão de cobertura de procedimentos caros e por reajustes abusivos, que, segundo as interpretações dos juízes, são obscuras nas normas legais e em contratos pouco padronizados. Procedimentos experimentais e não autorizados pelos órgãos de controle são exceções. Mais de 90% as reclamações dos clientes têm sido acatadas. Planos populares podem desafogar o SUS?
Ligia Bahia - Os planos sempre foram impopulares, criticados por quem os tem e inacessíveis para a maior parte da população. Desde os anos 1970, as empresas vendem seu peixe dizendo que desafogarão o SUS.
Hoje tem mais brasileiros com planos (27%) do que em 1998 (23%), segundo dados do IBGE, e nem por isso as demandas para o público foram reduzidas. Ao contrário, nestes 20 anos houve ampliação do acesso e utilização do SUS.
Planos relativamente mais baratos, seja com restrição regional ou seleção do que será ou não garantido, farão com que o SUS fique mais “afogado” com procedimentos mais caros e complexos. Desperdícios, desvios e fraudes são apontados como algumas das grandes causas do aumento do custo da saúde suplementar. O que é preciso para organizar esse sistema? decorrem em parte de estratégias de competição predatórias e em parte da inadequação da regulamentação. A polêmica sobre a responsabilidade sobre o aumento de gastos opõe planos de saúde e hospitais, produtores de medicamentos e médicos. O vilão depende de quem conta a história. Mas na vida real essas divisões não são rígidas. Existem grandes grupos. A mesma empresa de plano também é grupo hospitalar e ainda possui unidades de diagnóstico. Há espaço para soluções buscadas internamente. A mudança de modelo de remuneração ajudaria?
Mario Scheffer - Sem dúvida é bem vinda a introdução de modelos de remuneração que aproximem o pagamento dos melhores desfechos clínicos e resultados. Mas isso não é uma panaceia. Todas as modalidades têm problemas. Enquanto o pagamento por produção pode levar à sobreutilização de exames, assalariados podem se acomodar, atendem menos pacientes em menor dedicação e têm pouco compromisso com custos.
Se o pagamento é por captação, por número de pacientes, idosos e crônicos passam a ser evitados pelos prestadores, que também podem abandonar pacientes fora das metas no caso do pagamento por resultados. Nos sistemas de países ricos, os modelos não são únicos, dependem da organização dos serviços e dos profissionais. Por que iniciativas de prevenção e promoção da saúde, ou de atenção básica, são tão tímidas entre os planos?
Ligia Bahia - A concepção original dos planos privados tem como característica a indenização, ou seja, o atendimento após a ocorrência do problema. Mudar essa natureza é possível, mas requer iniciativas radicais, muito além da contratação de alguns especialistas em medicina de família formados pelo SUS.
Quem tem plano supõe que pode escolher onde e por quem será atendido. A atenção primária não é barata e não é barreira de acesso, como querem os planos. É uma estratégia de organização do sistema de saúde que pressupõe atendimento integral por equipes multidisciplinares.
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A nova lei, desfavorável às necessidades de saúde, um desserviço ao país, tem as digitais das operadoras, financiadoras de campanhas e que foram acusadas de comprar a medida provisória do capital estrangeiro que as beneficiou “