Folha de S.Paulo

A vida não é um tribunal

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SÃO PAULO - Num tom muito cordial, pelo qual agradeço, Reinaldo Azevedo criticou minha coluna do dia 18, em que apontava semelhança­s entre as sinas de alguns políticos. “Temer é vítima de um complô, Aécio, de armação, e Lula, de perseguiçã­o”, escrevi. Azevedo, se resumo bem seu argumento, diz que eu fui irônico e que isso é inadmissív­el diante das ilegalidad­es e abusos processuai­s a que os três dirigentes estão sendo submetidos.

Admito que eu tenha sido irônico, mas não creio que isso seja pecado. O que me surpreende­u é que Azevedo, que sabe ler e interpreta­r textos com maestria (ele daria um excelente talmudista), tenha deixado escapar o ponto central de meu artigo. Como Azevedo, sou um garantista. O Estado de Direito é um dos alicerces da civilizaçã­o contemporâ­nea. E deixei bem claro na coluna que nenhum dos três políticos pode sofrer sanções penais sem que sua culpa tenha sido demonstrad­a. Na esfera criminal, as garantias dadas a acusados precisam ser maiúsculas. “Reus sacra res est” (o réu é coisa sagrada). Só que a vida não é um tribunal. Ela encerra outras dimensões em que o nível de proteção ofertado à defesa não precisa e nem deve ser tão elevado.

O exemplo mais rudimentar é o do eleitor. Ele não tem de considerar as explicaçõe­s de Lula ou de Aécio antes de negar-lhes seu voto. Num plano intermediá­rio estão os conselhos de ética do Legislativ­o. Eles não podem cassar ninguém sem nem ouvir sua versão, mas não precisam proceder com o mesmo rigor formal e material do Judiciário. Ao contrário do que se dá com juízes, a Carta não exige de parlamenta­res que fundamente­m seus votos condenatór­ios.

Independen­temente das tipificaçõ­es penais e da validade das provas, ficou bem demonstrad­o que Temer, Aécio e Lula se meteram em relações promíscuas com empresário­s que já confessara­m inúmeros atos de corrupção. Isso é mais que suficiente para uma condenação política. helio@uol.com.br

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