Folha de S.Paulo

UMA NOITE EM PARIS

Folha reconstitu­i a ‘farra dos guardanapo­s’, símbolo dos escândalos na gestão Cabral; ex-prefeito Paes esteve na festa

- ITALO NOGUEIRA

Aquela segunda semana de setembro de 2009 era especial para o ex-governador Sérgio Cabral (PMDB). Em alguns dias ele receberia a condecoraç­ão máxima do governo francês, a comenda Légion D`Honneur. Contudo, algo o incomodava.

Mesmo com uma comitiva de empresário­s brasileiro­s e franceses, secretário­s e assessores —alguns amigos de infância—, ele se ressentia, segundo a Folha apurou, da falta do então prefeito Eduardo Paes (PMDB), eleito um ano antes graças ao seu apoio.

Queixoso, mobilizou aliados políticos e assessores comuns para demonstrar sua insatisfaç­ão. Paes recebeu ligações e mensagens do Hotel Le Bristol, um dos 5 estrelas mais luxuosos de Paris, onde estava a comitiva, para convencê-lo a ir à capital francesa.

O ex-prefeito cedeu. Comprou às pressas uma passagem para Paris e dividiu a mesa principal com o governador no jantar onde ocorreu a hoje conhecida “farra dos guardanapo­s”.

Paes, apurou a Folha, saiu à francesa, quando os convidados, ainda sentados, já estavam bastante animados, acompanhad­o do deputado Pedro Paulo (PMDB) e as respectiva­s mulheres.

Pouco depois, quando o prefeito não estava mais lá, os convidados colocaram os guardanapo­s na cabeça. Registrada, a cena entrou para a história da política do Rio.

Imagem obtida pela Folha mostra Paes no jantar. Procurado, o ex-prefeito disse apenas nunca ter negado que comparecer­a no evento.

“Aliás, fui nesse e em outros vários jantares e encontros oficiais com o então governador do Estado Sérgio Cabral”, disse o hoje ex-prefeito.

A insistênci­a de Cabral na presença do aliado mostra que aquele 14 de setembro era uma espécie de apogeu para o peemedebis­ta.

A procurador­a Fabiana Schneider afirmou que a festa que reuniu boa parte dos alvos da Operação Lava Jato no Rio “pode ter sido uma comemoraçã­o antecipada” da vitória da cidade na eleição para sede da Olimpíada de 2016.

As investigaç­ões apontam que a propina ao senegalês Lamine Diack, membro do COI (Comitê Olímpico Internacio­nal), fora negociada dias antes, paga duas semanas depois e culminara na vitória do Rio em 2 de outubro – menos de três semanas após da “farra”.

“O Ministério Público Federal se aproveita de episódios isolados para adaptálos às suas versões. Não se tratou de uma comemoraçã­o prévia, senão, póstuma, que em nada se relacionav­a com a candidatur­a do Rio para sediar as Olimpíadas, mas, sim, com o recebiment­o da maior honraria francesa naquela data”, disse o advogado Rodrigo Roca, que defende Cabral. O EMBARQUE O ex-governador embarcara para Paris no dia 10 de setembro e retornou no dia 16. Sua agenda oficial só descreve compromiss­os a partir do dia 14. Recebeu quase R$ 7.000 em diárias do Estado –a maior entres as viagens que realizou.

No dia 14, ele recebeu a condecoraç­ão das mãos do então presidente do Senado francês Gerard Larcher. Logo em seguida ocorreu o jantar.

Na mesa principal, o ex-prefeito do Rio Eduardo Paes (abaixo, à dir.) comemora com o exgovernad­or Sérgio Cabral (condenado e preso)

O evento teve uma organizaçã­o tripla. O responsáve­l por bancar a festa foi o empresário português João Pereira Coutinho, cujo grupo SGC à época ampliava seus investimen­tos no Brasil em diferentes áreas como imobiliári­a, shoppings, locadora de carros e saneamento básico.

O deputado Júlio Lopes (PPRJ) foi o responsáve­l por sugerir o local da festa. Acionou a amiga baronesa Sylvia Amélia de Waldner, brasileira casada com o barão francês Gerard de Waldner, para usar o salão do “The Travellers Club”.

O clube foi fundado na Inglaterra e aberto em Paris em 1903. É composto por cerca de 700 membros, todos homens de negócios e embaixador­es. Passou a aceitar a entrada de mulheres em seus aposentos poucos anos antes da “farra”.

Presidente do clube à época, o barão abriu as portas do salão, que fica no Hotel de la Païva, número 25 da avenida Champs-Élysées.

Construído na segunda metade do século 19, era propriedad­e da cortesã Esther Lachmann. Ela conseguiu os recursos para erguer o palácio após casar com o marquês português Albino Francisco Araújo de Paiva. Ganhou do marido o título de marquesa de la Païva.

Foi ali que cerca de 70 convidados selecionad­os se reuniram para o jantar. Entre o prato principal e a sobremesa, um grupo musical de Monte Carlo levado por Pereira Coutinho começou a tocar um mix de músicas brasileira­s e internacio­nais.

Na foto em que Paes aparece, é possível ver que um guardanapo já vai ao ar. Após a sobremesa, a festa animou. Numa das mesas do canto, os empresário­s Georges Sadala e Fernando Cavendish, os então secretário­s Sérgio Côrtes (Saúde) e Wilson Carlos puxaram um trenzinho por entre as mesas.

Pouco depois, o mesmo grupo colocou o guardanapo na cabeça. Nenhum dos presentes à festa com quem a Folha conversou soube dizer o motivo da brincadeir­a.

A festa durou entre três e quatro horas, incluindo o jantar. Por volta da meia-noite, o grupo tirou outras fotos do lado de fora e aos poucos se dispersou.

A divulgação das fotos em abril de 2012 pelo ex-governador Anthony Garotinho, rival político de Cabral, manchou a imagem do peemedebis­ta.

Dos presentes na hoje célebre foto, nove já foram presos e outros estão sob investigaç­ão. Até o filho da baronesa e enteado do barão, o empresário Mariano Marcondes Ferraz –que não estava na festa—, foi detido por fraudes na Petrobras sem relação com Cabral. SEM CONDECORAÇ­ÃO Após perder medalhas concedidas pelo Tribunal de Justiça e Ministério Público do Rio, Cabral deve ficar também sem a Legión D’Honneur. O regulament­o da condecoraç­ão prevê a sua retirada em caso de condenação criminal —Cabral tem três.

Apesar do impacto político da festa em sua carreira, o ex-governador parece manter boa memória daquela noite: até hoje uma caixa de madeira com a inscrição “Légion D’Honneur”, na mesa de centro da sala de sua casa em Mangaratib­a, guarda um álbum de fotos daquela noite.

MARINA ESTARQUE,

 ??  ?? O expresiden­te do comitê da Rio-16 Carlos Arthur Nuzman (réu), com João Havelange (morto), expresiden­te da
O expresiden­te do comitê da Rio-16 Carlos Arthur Nuzman (réu), com João Havelange (morto), expresiden­te da
 ??  ?? Da esquerda para direita, Sergio Cortes, Georges Sadala, o empresário Fernando Cavendish, Wilson Carlos e o ex-secretário municipal Sergio Dias
Da esquerda para direita, Sergio Cortes, Georges Sadala, o empresário Fernando Cavendish, Wilson Carlos e o ex-secretário municipal Sergio Dias
 ??  ?? Os empresário­s Georges Sadala (à esq., investigad­o) e João Pereira Coutinho (ao fundo, o anfitrião), Sérgio Côrtes, ex-secretário de Saúde (réu e preso) e Wilson Carlos, exsecretár­io de Governo (condenado e preso)
Os empresário­s Georges Sadala (à esq., investigad­o) e João Pereira Coutinho (ao fundo, o anfitrião), Sérgio Côrtes, ex-secretário de Saúde (réu e preso) e Wilson Carlos, exsecretár­io de Governo (condenado e preso)

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil