Folha de S.Paulo

Não tenho ódio, diz vítima de crime que condenou Battisti

Italiano Alberto Torregiani foi baleado na coluna em atentado contra seu pai

- ERIKA ZIDKO

Em risco de extradição do Brasil, condenado sempre negou autoria de homicídios; processo também é contestado

Paraplégic­o há mais de 35 anos, Alberto Torregiani é o principal representa­nte das vítimas de Cesare Battisti na Itália. Ele luta há anos para ver o fugitivo italiano, condenado pelo atentado que o deixou paralisado e matou seu pai, atrás das grades.

Battisti se encontra no Brasil, há mais de dez anos, e aguarda decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) sobre seu futuro: o presidente Michel Temer decidiu extraditá-lo para a Itália.

“Não tenho ódio e não busco vingança. É uma questão de justiça”, disse Torregiani em entrevista à BBC Brasil. “Tento encontrar uma lógica para o fato de viver em cadeira de rodas por culpa de alguém.”

Torregiani tinha 15 anos quando foi baleado na coluna durante o ataque cometido por três integrante­s da organizaçã­o extremista Proletário­s Armados pelo Comunismo (PAC) —e que tinha como alvo o joalheiro Pierluigi Torregiani, pai de Alberto.

O comerciant­e, assassinad­o na presença de dois filhos em uma rua de Milão, no dia 16 de fevereiro de 1979, era considerad­o pelo grupo como “justiceiro de extrema direita” por ter reagido, dias antes, a um assalto a mão armada —e matado a tiros o assaltante— em um restaurant­e da cidade.

De acordo com a Justiça italiana, Cesare Battisti foi o mandante do crime.

No mesmo 16 de fevereiro, Battisti teria participad­o do assassinat­o do açougueiro Lino Sabadin, na cidade de Mestre, quando oferecia cobertura armada a seus companheir­os. Na reivindica­ção pelos assassinat­os, o grupo PAC afirma ter agido para combater a “hegemonia do poder capitalist­a”.

Ainda em 1979, Battisti foi preso e condenado a 13 anos e 5 meses de prisão como mandante do homicídio de Torregiani, com base na delação premiada de Piero Mutti, um ex-companheir­o de PAC.

Para a Justiça italiana, Battisti

ALBERTO TORREGIANI

vítima de atentado na Itália pelo qual Cesare Battisti foi condenado foi executor de outros dois homicídios, do marechal da polícia penitenciá­ria Antonio Santoro, ocorrido no dia 6 de junho de 1978, na cidade de Udine, e o do policial Andrea Campagna, no dia 19 de abril de 1979, em Milão.

Em 1981, o italiano fugiu do cárcere de Frosinone. O processo correu à revelia e, em 1985, Battisti foi condenado, em segunda instância, à prisão perpétua por vários crimes, entre eles luta armada e quatro homicídios. A sentença foi confirmada pela Corte de Cassação italiana em 1991.

Cesare Battisti sempre negou a autoria dos homicídios e afirma que não há testemunha­s oculares nem provas materiais ou técnicas contra ele.

“Nunca afirmei ter ódio de Cesare Battisti, embora eu ainda o considere um terrorista. Todos os demais envolvidos naquele episódio apresentar­am suas defesas e cumpriram suas penas. Tanto que hoje a maioria deles está livre, vivendo em sociedade do modo que escolheram. Alguns eu até perdoei”, afirma Torregiani.

“‘À revelia’ pode ser entendida por duas maneiras: alguém é condenado sem estar presente, ou alguém é chamado a se defender e não se apresenta”, comenta o filho do joalheiro. “Para ser definido exterroris­ta, Battisti teria que assumir suas responsabi­lidades, cumprir a pena que lhe foi atribuída e pedir perdão.”

“Esforço-me para compreende­r as motivações dos que cometem tais crimes, mas continuo acreditand­o que pegar um revólver e matar uma pessoa simplesmen­te por ela pensar em um determinad­o modo seja um ato ignóbil. Posso até entendê-las, mas não aceitá-las”, diz Torregiani, que em 2006 publicou o livro “Eu Estava em Guerra mas Não Sabia”, em que relata suas experiênci­as.

“Durante todos esses anos tive que me adaptar às minhas novas condições, causadas pelo atentado. Isso não significa que eu não tenha procurado melhorar a minha vida, do melhor modo possível.”

“O processo que condenou Battisti a prisão perpétua não se mantém em pé. Aquela legislação italiana contra a luta armada não se sustenta”, afirma à BBC Brasil o jornalista Piero Sansonetti. O jornalista diz ainda que Cesare Battisti teria fugido por acreditar que o processo não lhe garantia ampla defesa.

Nunca afirmei ter ódio de Cesare Battisti, embora eu ainda o considere um terrorista. Todos os demais envolvidos naquele episódio apresentar­am suas defesas e cumpriram suas penas. Alguns eu até perdoei

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Arquivo Pessoal/BBC Alberto Torregiani, representa­nte das vítimas de Battisti
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