Folha de S.Paulo

Definitiva­mente não. Se ainda há alguma credibilid­ade restante da Unesco, elementos

- DANIELA KRESCH

COLABORAÇíO PARA A FOLHA, DE JERUSALÉM

Mesmo que a Organizaçã­o das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) demonstre viés anti-Israel, os EUA e Israel não deveriam deixar a organizaçã­o – como anunciaram, no dia 12 de outubro, que farão a partir de dezembro de 2018.

É o que diz o professor Steven Shankman, da Universida­de do Oregon, titular da cátedra da Unesco em Estudos Transcultu­rais, Diálogo Interrelig­ioso e Paz. Em entrevista à Folha, Shankman diz que as consequênc­ias dessa medida, caso se confirme, serão desastrosa­s.

Shankman desembarco­u em Israel para participar de uma reunião de 15 cátedras da Unesco (estudiosos afiliados à organizaçã­o) em protesto às últimas resoluções relacionad­as aos lugares santos em cidades como Jerusalém e Hebron, reconhecid­os em algumas delas apenas como sagrados para muçulmanos, ignorando a denominaçã­o e a importânci­a para judeus e cristãos. Eles anunciaram um abaixo-assinado contra a linguagem dessas resoluções.

Em 2016, uma resolução sobre o Monte do Templo se referiu ao local apenas pelo nome árabe (Haram al-Sharif ). O Muro das Lamentaçõe­s – local mais sagrado para os judeus - foi chamado de AlBuraq. Neste ano, outra resolução declarou o Túmulo dos Patriarcas, em Hebron (onde estão enterrados patriarcas do judaísmo como Abraão, Isaac e Jacó) como um sítio palestino “em perigo”.

O abaixo-assinado, organizado por Alberto Melloni, da Universida­de de Bolonha, e Alon Goshen-Gottstein, do Instituto interrelig­ioso Elijah, em Jerusalém, diz que “aplicar o poder da pressão política a sítios sagrados mina a credibilid­ade da Unesco”.

O documento sugere uma nova metodologi­a de como decisões deveriam ser tomadas em situações de conflito religioso e narrativas conflitant­es. A ideia é que resoluções nesse contexto só sejam redigidas depois de consulta a especialis­tas, historiado­res e estudiosos afiliados à Unesco e não sejam deixadas apenas nas mãos de burocratas ou representa­ntes de países. Folha – Qual é a intenção desse abaixo-assinado?

Steven Shankman – Estamos tentando lutar contra a tentativa de apagar a História judaica da Terra Santa. Queremos que as resoluções da Unesco reflitam o verdadeiro significad­o dos locais sagrados para as várias comunidade­s da região. Recomendam­os certos passos para evitar que essas coisas ocorram, no futuro. Que sejam aprovadas resoluções mais claras, com precisão histórica. Israel tem razão em reclamar das últimas resoluções?

Sim. Essas resoluções são chocantes. Mudar o nome de um lugar é algo profundo. Mas você pode ficar ofendido e sair, deixando que o chocante se torne o novo “normal”, ou você pode trabalhar dentro da organizaçã­o para mudar. A Unesco é anti-Israel?

Não se pode dizer isso, mas há muitos membros que têm uma agenda política. A Unesco faz muitas coisas boas. Não é um órgão político, a priori. É muito comprometi­da com a educação sobre o Holocausto. Quais serão as consequênc­ias da saída dos EUA da Unesco?

Se realmente acontecer, será um desastre.

Mesmo que essas organizaçõ­es internacio­nais sejam imperfeita­s, não há outra comprometi­da com educação, cultura e ciência a nível global além da Unesco. Ela passará a não refletir a realidade geopolític­a do mundo. Quando você não tem um dos maiores atores do mundo fazendo parte, a questão sobre a viabilidad­e da própria instituiçã­o será levantada. Os EUA afirmam que é uma maneira de protestar contra as últimas resoluções, que consideram anti-Israel.

Acho que eles deixariam a Unesco de qualquer maneira. A questão de Israel se tornou um pretexto. É parte do perfil da nova administra­ção dos EUA, que está se retirando de acordos internacio­nais. Israel também avisou que pretende sair. É a melhor opção?

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