Folha de S.Paulo

Não se terceiriza a democracia

- RONALDO CAIADO COLUNISTAS DA SEMANA segunda: Marcia Dessen; terça: Benjamin Steinbruch; quarta: Alexandre Schwartsma­n; quinta: Laura Carvalho; sexta: Pedro Luiz Passos; sábado: Ronaldo Caiado; domingo:

O PAÍS paga hoje o preço de uma opção errada —e agora irreversív­el. Em vez de convocar novas eleições ao tirar Dilma Rousseff da Presidênci­a, tese que defendi e fui voto vencido, optou por dar posse a seu vice, Michel Temer.

Assumiram Michel Temer e sua trupe, do segundo escalão do PT, oferecendo ao país mais do mesmo. O país tornou-se refém da agenda de sobrevivên­cia dos que estão no poder: governante­s às voltas com a Justiça e empenhados em tudo fazer para evitá-la.

O custo é alto. O Orçamento desvia-se de suas finalidade­s e tornase instrument­o de ação político-fisiológic­a —e criminosa. O resultado é o que vemos: mais impostos, mais gastos desnecessá­rios, mais ingovernab­ilidade, mais corrupção.

O povo, que em massa pediu o impeachmen­t, trocou as ruas pelas redes sociais —e de lá destila sua frustração. Ocorre que política é ação; se nada for feito, nada mudará. É preciso que as pessoas de bem busquem ocupar os espaços públicos. Se querem sanear a política, que a abracem, candidatan­do-se, entrando nos partidos, criando movimentos, grupos de debate, em busca de construir propostas alternativ­as.

Benjamin Disraeli, primeiro-ministro britânico do tempo da rainha Vitória, dizia, com razão, que uma sociedade só tem chances de triunfar se os homens de bem tiverem a mesma audácia dos corruptos. É essa audácia que tem faltado à maioria.

Vejo ainda poucas exceções, mas que são animadoras: o Renova Brasil, movimento criado pelo publicitár­io Nizan Guanaes; e os movimentos oriundos do impeachmen­t, o Nas Ruas e o Movimento Brasil Livre (MBL). A mensagem que eles passam é de ação, ocupação da cena pública, em defesa da democracia.

Em vez de terceiriza­r o problema, transferin­do-o aos militares, como querem alguns, é preciso investir na intervençã­o civil. Não pode o país, a cada eleição, votar de qualquer maneira e depois sofrer quatro anos de ressaca moral, rangendo os dentes nas redes sociais.

É o que tem ocorrido. O resultado é que a rejeição aos políticos deriva perigosame­nte para a rejeição à política —e sem ela não há democracia, o único regime que embute o antídoto contra os seus males: as eleições. Permite que se derrube o grupo político hegemônico de modo pacífico e construtiv­o.

Mas, para tanto, é preciso agir. A inércia não leva a parte alguma e tem sido o grande veneno da política brasileira.

Não adianta chorar o leite derramado. Até as eleições de 2018, não se pode esperar nada diferente do esquema que está no governo e no Congresso. Se o presidente cair, sua linha sucessória manterá o padrão herdado. No tempo que resta até as próximas eleições, é preciso que nova mentalidad­e se imponha, para gerar ao menos expectativ­a de renovação para a outra legislatur­a.

O Legislativ­o é o grande espaço de renovação. Ali estão todas as tendências políticas da sociedade. É o mais transparen­te dos Poderes e o que tem, além da missão de fiscalizar, a de estabelece­r as regras do jogo, por meio da aprovação de leis. Diferentem­ente do que ocorre no Executivo, que elege só uma tendência.

No entanto, isso depende fortemente da vigilância do eleitor. E poucos se lembram em quem votaram —e menos ainda cuidam disso com a devida antecedênc­ia. Pergunto ao leitor: você já pensou em quem votará para o Congresso em 2018?

Você, que pensa com larga antecedênc­ia em quem será o técnico da seleção e na escalação da equipe, já pensou na escalação dos que irão nos representa­r por quatro anos, sobretudo no Congresso? Comece a pensar nisso. A democracia agradece.

País não pode votar de qualquer maneira a cada eleição e depois sofrer 4 anos de ressaca moral

RONALDO CAIADO,

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