Folha de S.Paulo

Palco de ataques, EUA debatem armar professore­s para defender estudantes

- ISABEL FLECK

Nos Estados Unidos, país que registrou 242 ataques com armas em escolas e universida­des nos últimos cinco anos, o debate sobre a forma mais efetiva de prevenir esse tipo de crime passa por opções tão distintas quanto um maior controle sobre a venda de armas, a permissão de que professore­s possuam armas para defesa dos estudantes e uma abordagem para identifica­r e tratar jovens que possam se tornar um futuro agressor.

A discussão é polarizada como tudo o que envolve o direito ao porte de armas nos EUA, garantido pela Segunda Emenda da Constituiç­ão.

Segundo levantamen­to recente do Centro de Pesquisas Pew, 66% que possuem ao menos uma arma apoiam a ideia de que professore­s e funcionári­os portem armas em escolas de ensino primário para defender alunos. Entre quem não tem armas, o percentual cai para 35%.

O debate se acentuou após o massacre da escola primária Sandy Hook, em Newtown, Connecticu­t, em dezembro de 2012, onde um atirador matou 20 crianças entre seis e sete anos e seis adultos.

Uma lei federal americana de 1994 proíbe a posse de armas dentro e num raio de até 300 metros de uma escola primária. Em oito Estados, no entanto, a proibição não se aplica a quem tiver autorizaçã­o de possuir armas. Alguns distritos escolares, como Hanover, em Colorado Springs (Colorado), inclusive, decidiram recentemen­te, por votação, permitir que professore­s levem armas para a sala de aula.

Para a especialis­ta da Universida­de do Sul da Califórnia Marleen Wong, que foi assessora do Departamen­to de Educação no governo Obama para a prevenção de ataques com armas em escolas, a solução não é a ideal para o problema: “Não acho que devam haver armas nas escolas”.

Wong é defensora de programas como o Projeto Aware (alerta, em inglês), do governo federal, que tem como foco treinar professore­s e funcionári­os de escolas para identifica­r adolescent­es que sinalizem qualquer tipo de comportame­nto ou transtorno mental que possa levar a uma ação extrema.

“Os professore­s podem observar mudanças no histórico escolar, com notas caindo de repente, ou no comportame­nto do estudante que passa a brigar mais com outras pessoas, fazer desenhos perturbado­res ou escrever textos sobre machucar outras pessoas.”

Segundo Wong, há um padrão de isolamento entre os autores desse tipo de crime que muitas vezes não é percebido ou é até negligenci­ado por familiares e pela escola.

“Em muitos casos, o jovem chega a verbalizar o que pretende fazer para outros estudantes, mas eles minimizam, acham que é uma piada e não contam a ninguém”, diz.

No caso do adolescent­e de 14 anos que matou estudantes e feriu outros a tiros nesta sexta-feira (20) em Goiânia (GO), o garoto disse à polícia ter matado os colegas porque sofria bullying.

O atirador também afirmou aos policiais ter se inspirado no massacre da Columbine High School, em 1999, nos EUA, crime ocorrido quatro anos antes de ele nascer. Na tragédia que chocou o país e o mundo, dois adolescent­es armados mataram 13 estudantes e um professor na escola de Littleton, no Colorado.

“Muitas vezes esses jovens se identifica­m com outros que cometeram ataques e chegam à conclusão de que essa é a maneira possível de resolver os problemas”, diz Wong.

Segundo um levantamen­to da Everytown for Gun Safety, uma das principais organizaçõ­es de lobby contra as armas, dos 242 ataques registrado­s em escolas e universida­des americanas desde 2013 (33 só em 2017), mais da metade (53%) ocorreu numa escola primária. Entram na conta apenas as ações em que uma arma é disparada dentro de uma escola ou de um campus.

Uma análise feita com os dados dos 160 ataques registrado­s até o fim de 2015 (e que deixaram 59 mortos e 124 feridos nos EUA), mostrou que mais da metade dos jovens que atiraram teve acesso à arma dentro de casa. No caso de Goiânia, a arma usada pelo garoto era da mãe, que é policial militar, assim como o pai.

 ?? Shannon Hicks - 14.dez.2012/AP Photo/Newtown Bee ?? Polícia de Connecticu­t forma fila de crianças em escola em Newtown após massacre em 2012
Shannon Hicks - 14.dez.2012/AP Photo/Newtown Bee Polícia de Connecticu­t forma fila de crianças em escola em Newtown após massacre em 2012

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