Folha de S.Paulo

Claro que há grandes dife-

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A medicina atual e os restaurant­es fast-food têm mais em comum do que se poderia imaginar —pelo menos segundo um movimento italiano que prega atendiment­os médicos mais humanizado­s. Marco Bobbio vê na medicina atual desperdíci­o de recursos, excesso de velocidade em vários momentos e ainda falta de conexão com os pacientes.

“A medicina hoje é muito efetiva. Temos tantos procedimen­tos e tratamento­s disponívei­s que, às vezes, estamos fazendo demais. Isso significa que usamos drogas e tratamento­s quando o paciente não precisa”, diz Bobbio.

Ir além do necessário é o assunto de seu novo livro, “Troppa Medicina” (medicina demais, em tradução livre; não disponível no Brasil) e também é parte dos temas tratados pela Slow Medicine (medicina lenta).

Bobbio, no Brasil para o Conecta Saúde, evento da Federação dos Hospitais, Clínicas e Laboratóri­os do Estado de São Paulo, diz que deve haver mais conversa e decisões compartilh­adas entre médico e paciente sobre qual caminho de tratamento seguir.

O italiano também diz acreditar que, por mais que indústrias farmacêuti­cas e de diagnóstic­o tenham interesse na realização de mais exames, talvez os maiores responsáve­is pelos excessos sejam os próprios médicos. “Para elas, é um negócio; para os médicos, não. Para eles, o negócio é dar o melhor para cada paciente.” mais procedimen­tos do que o necessário?

Marco Bobbio - Sim. Normalment­e, os pacientes querem mais testes e os médicos prescrevem mais exames do que o necessário. Temos que entender quando usar os procedimen­tos de forma apropriada, se não é desperdíci­o.

Economista­s avaliam que um terço dos gastos de saúde nos países ocidentais —no Brasil deve ser o mesmo— é desperdíci­o. Gastamos dinheiro que não produz saúde. Fora o fator econômico, qual o perigo de muitos exames?

Muita medicina também é um perigo. Pacientes usam drogas que não precisam e têm todos os efeitos colaterais, sem efeitos positivos. Quando você faz um procedimen­to sem indicação real, pode-se achar algo que não é patológico, mas não é completame­nte normal. O paciente começa a ter ansiedade com o que irá acontecer se o achado evoluir para uma doença. As pessoas se sentem bem, não têm nada, mas estão preocupada­s com o que irá acontecer no futuro. Fazem testes, tomam remédio só pelo medo da doença. Qual o impacto dessa preocupaçã­o excessiva com a saúde?

É por isso que há pessoas que tomam montes de drogas todas as manhãs, estão comendo comidas saudáveis —que chamam de saudável, mas eu não tenho certeza de que o sejam—, porque pensam que isso pode salvar a vida delas de tudo. Elas não apreciam a vida. Passam a maior parte da vida tentando gerenciá-la. jantares, as pessoas não dizem “gosto” ou “não gosto dessa comida”. Elas dizem “posso” ou “não posso comer”. Perdemos a subjetivid­ade da relação com a vida, com a comida. Confiamos em supostas regras científica­s que muitas vezes não são científica­s, são só coisas que as pessoas leram na internet. Como ter uma vida saudável?

Só relaxe. Faça o que você gosta. Claro que algumas preocupaçõ­es sobre doenças e riscos são necessária­s. Claro que é bom evitar fumar e ser sedentário. Você precisa fazer algum exercício.

Não se deve exagerar em nada. Exercício intenso não é saudável. E comida, você pode comer qualquer coisa, mas de forma moderada. Você pode comer manteiga, mas não um monte todo dia. Você deve direcionar sua alimentaçã­o para uma dieta vegetarian­a, mas isso não significa que você não deva comer carne nunca. Tudo com moderação. Você conhece o movimento slow food? Quer dizer que a medicina hoje pode ser comparada a uma cadeia de fast food? renças, mas a ideia é quase a mesma. Temos uma forma de ‘fast medicine’. Isso não significa que os médicos devam ficar relaxados. Eu sei que a medicina precisa ser muito rápida às vezes. Mas também há váriassitu­açõesnasqu­aisvocê pode pensar um pouco mais e discutir com o paciente qual a melhor conduta. Os médicos não costumam ouvir os pacientes? Por quê?

Os médicos têm que fazer mais e mais procedimen­tos. Os hospitais fazem com que eles realizem muitos atendiment­os, então o tempo para a consulta é reduzido ano a ano. Além disso, hoje tanto médicos quanto pacientes confiam mais em tecnologia do que na experiênci­a do próprio médico. Pacientes acham que exames trazem verdades objetivas?

Sim. Em geral, se pensa que o corpo é como um carro. Se pisca a luz vermelha, você precisa levar para o conserto. Mas o corpo não é isso. Há uma certa dose de autocura, então, em alguns casos, as doenças passam sem você fazer nada.

Foram feitos estudos apontando que, se você mostra raios-x para radiologis­tas, a con- Quem ganha com mais testes sendo feitos?

As indústrias farmacêuti­ca e de diagnóstic­o. Elas gastam um bom dinheiro para incentivar médicos a prescrever­em o máximo possível. A maioria dos congressos médicos é patrocinad­a por elas.

Não as culpo. Tenho a tentação de culpar os médicos que prescrevem de modo incorreto. Para elas, é um negócio; para os médicos, não. Para eles, o negócio é dar o melhor para cada paciente. Como conciliar slow medicine e cargas pesadas de trabalho?

Para ser amigável, empático, não é necessário mais tempo. Se você tem pouco tempo, você precisa decidir como usálo. Pode usá-lo de modo lento ou rápido. Lento não significa ser devagar, mas, sim, ter que ser positivo com o paciente.

Temos uma forma de ‘fast medicine’. Isso não significa que os médicos devam ficar relaxados. Mas há situações nas quais você pode pensar mais e discutir com o paciente qual a melhor conduta Em jantares, as pessoas não dizem ‘gosto’ ou ‘não gosto dessa comida’. Elas dizem ‘posso’ ou ‘não posso comer’. Confiamos em supostas regras científica­s que muitas vezes não o são. São só coisas que as pessoas leram na internet

Pacientes têm de exigir médicos mais atenciosos?

Pacientes precisam ter papel ativo. Toda vez que um médico prescrever um procedimen­to, eles devem perguntar se o teste é realmente necessário, o que irá acontecer se ele não fizer o teste. Posso adiar o procedimen­to? Posso esperar que a doença se cure sozinha? Quais são as alternativ­as?

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