Folha de S.Paulo

Remontagem é fiel, mas tem novas referência­s e luz

- MARIA LUÍSA BARSANELLI

Cinquenta anos após a estreia de “O Rei da Vela”, um dos pilares do movimento tropicalis­ta brasileiro, o diretor Zé Celso lembra da montagem do seu Teatro Oficina como uma “revolução cultural, uma descoloniz­ação”. “O espetáculo fez brotar tudo o que a gente fez até agora.”

Para a remontagem da peça escrita por Oswald de Andrade, que estreia neste sábado (21) no Sesc Pinheiros, buscou-se recriar tudo do original —ou quase tudo.

Aos 80, Renato Borghi retoma o papel do protagonis­ta, o agiota Abelardo 1º, mas é o único do elenco original. Zé Celso, também 80, além de dirigir interpreta a virgem octogenári­a Dona Poloca, zeladora da moral e dos bons costumes, mas numa versão transexual da personagem.

Borghi, apesar da vitalidade, não pode fazer no palco as estripulia­s de outrora: por problemas de saúde, teve a coluna vertebral coberta de pinos e rebites de titânio. “Então, se eu pular, o titânio sai pelo céu da boca”, brinca ele.

Hélio Eichbauer recriou todo o cenário de 1967, incluindo o palco giratório —influência que Zé Celso trouxe da alemã Berliner Ensemble.

“Foram os desenhos que eu guardei com mais cuidado”, diz ele sobre o trabalho, em que fez uma colagem de referência­s cubanas (as cores fortes) com o modernismo brasileiro (como obras de Tarsila do Amaral e Anita Malfatti) e o teatro cubista e futurista russo. Ou um “delírio tropical”, como ele define.

Já a iluminação foi criada quase do zero por Beto Bruel. Como nos anos 1960 não era comum a figura do iluminador (a luz em geral era feita pelo diretor), não há muitos registros do trabalho.

Bruel criou para si um arquivo com frames do filme de “O Rei da Vela”, gravado em 1971 e lançado 11 anos depois. Das imagens, buscou entender de onde vinha a luz. Ainda assim, teve de desconside­rar refletores extras, acrescidos à gravação para melhorar a captação da película.

Também haverá bastante iluminação para a plateia. “A peça se passa com os espectador­es”, explica Zé Celso. SÁTIRA Oswald de Andrade baseou-se na crise financeira de 1929 para a sua peça, escrita em 1933, mas publicada apenas quatro anos mais tarde. Coloca em cena o banqueiro Abelardo 1º com seu sócio, o socialista Abelardo 2º (Tulio Starling), um domador de feras que mantém enjaulados os devedores e protestado­s.

Tudo é feito em tom de sátira e visual circense —o nome do protagonis­ta é uma homenagem do escritor a Abelardo Pinto, o palhaço Piolin.

“Oswald sacou uma coisa que existe no cerne do homem brasileiro: a possibilid­ade de se desenvolve­r o fascismo”, afirma Borghi.

Na nova montagem, o Oficina pincela referência­s a figuras da política contemporâ­nea, como o senador Aécio Neves (aqui chamado de Aécio Never). Mr. Jones, personagem americano e fanático pelo capitalism­o, agora tem alusões ao presidente americano Donald Trump.

É uma forma também de relacionar os escritos com os dias de hoje. “Montar esse espetáculo 50 anos depois está sendo uma experiênci­a muito forte”, comenta Borghi. “Acho que agora ele é mais violento do que nunca.” QUANDO sáb., às 19h, dom., às 18h; até 19/11 ONDE Sesc Pinheiros, r. Paes Leme, 195, tel. 11 3095.9400 QUANTO R$15aR$50 CLASSIFICA­ÇÃO 16 anos

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