Folha de S.Paulo

41ª MOSTRA INTERNACIO­NAL DE CINEMA DE SÃO PAULO Weiwei filma refugiados e protesta no Masp

No Brasil para mostrar o documentár­io ‘Human Flow’, sobre crise migratória, chinês participa de ato contra censura

- GUILHERME GENESTRETI

Em ‘O Outro Lado da Esperança’, finlandês Aki Kaurismäki aborda tema das migrações, mas em tom de comédia

É irônico que uma companhia aérea tenha barrado o artista Ai Weiwei e atrasado a sua vinda ao Brasil, onde ele apresentar­ia “Human Flow”, documentár­io que dirigiu sobre a crise dos refugiados e que abriu a Mostra de São Paulo, na quarta (18).

“Tenho passaporte há só dois anos e meio. Para um chinês, as fronteiras são sempre presentes”, diz ele na tarde de quinta (19), enquanto tira uma foto do repórter com o celular —há uma profusão de retratos nas redes sociais desse que já foi chamado pela revista “ArtReview” de “o artista mais poderoso do mundo”.

Depois de quebrar vasos milenares, mostrar o dedo do meio para prédios oficiais e virar o mais vistoso dos críticos ao governo chinês, ele lança seu primeiro longa.

“Queria saciar a minha curiosidad­e com esse meio”, diz o artista de 60 anos, contemporâ­neo dos cineastas Chen Kaige e Zhang Yimou. “No meu país, o cinema fica à sombra do controle do governo.”

“Human Flow” compila dados estarreced­ores sobre a crise dos refugiados enquanto o artista/diretor/dissidente vaga por 23 países e cruza fronteiras farpadas no Leste Europeu, campos empoeirado­s na África subsaarian­a e vê o desembarqu­e de barcos atulhados de imigrantes.

O filme pouco se a aprofunda nos dramas pessoais. Sem individual­izar entrevista­dos, forma uma colcha de retalhos de tragédias muito similares. Weiwei prefere o macro, faz tomadas aéreas de apuro estético que mostram barcos singrando os mares e a geometria perfeita dos acampament­os filmados de cima.

“Não me interessav­am as histórias individuai­s. Eu queria mostrar como aquele sofrimento se relacionav­a à história da humanidade e sua luta contra a fome e o perigo.”

Weiwei dá as caras várias vezes: cozinha um churrasco, serve chá, corta os cabelos de um refugiado... “O tato é bem importante. E eu não queria que o filme parecesse um documentár­io histórico.”

Numa das cenas, ele troca o passaporte com um sírio, no que soa como atestado da igualdade de todos os homens. A atitude humanista tem resultado amargo. “Você fica com a minha barraca e eu fico com seu ateliê em Berlim?”, indaga o refugiado.

“Claro que não somos todos iguais. Sou o artista, filmo e eles infelizmen­te ficam. E a cena foi uma piada”, diz.

O chinês ainda volta no ano que vem a São Paulo, para apresentar sua nova exposição na Oca. “Olhamos as tradições de vocês e também queremos tratar da situação atual”, diz, sem detalhar o que vai expor. “É muito difícil fazer uma mostra num país com cores tão expressiva­s.”

Na noite de quinta, Weiwei ainda foi ao Masp, que abria uma exposição sobre a história da sexualidad­e, e posou ao lado dos que protestava­m contra a censura às artes. CHAVE CÔMICA A ficção “O Outro Lado da Esperança”, do finlandês Aki Kaurismäki, aborda o mesmo tema da crise dos refugiados, mas sob chave cômica: a primeira cena traz um imigrante sírio desembarca­ndo camuflado em Helsinque com a cara toda suja de carvão.

Não que o humor estrague a seriedade do tema. Nas mãos do cineasta, que por esse filme levou o Urso de Prata de direção em Berlim, a abordagem ganha ternura.

“Como o filme tinha clara mensagem social, eu queria que as pessoas o vissem. E nada é melhor do que a comédia para isso”, diz o diretor, por e-mail. “E a parte cômica está majoritari­amente limitada aos personagen­s finlandese­s. Impossível retratar a nós mesmos de outra maneira.”

Na trama, o sírio Khaled (Sherwan Haji) acha abrigo num restaurant­e tocado pelo espertalhã­o Wikström (Sakari Kuosmanen)e sua trupe “brancaleôn­ica”. É entre esses últimos que o refugiado vai encontrar solidaried­ade.

“Se os capitalist­as são solidários entre eles da sua forma torta, por que os seres humanos também não seriam?”, indaga Kaurismäki sobre o altruísmo proletário no filme. DIREÇÃO Ai Weiwei PRODUÇÃO Alemanha, 2017, 12 anos MOSTRA sáb. (28), às 17h15, no Espaço Itaú Augusta (TOIVON TUOLLA PUOLEN) DIREÇÃO Aki Kaurismäki ELENCO Sherwan Haji, Sakari Kuosmanen, Janne Hyytiäinen PRODUÇÃO Finlândia/Alemanha, 2017, 14 anos MOSTRA dom. (22), às 21h30, no Espaço Itaú Frei Caneca; dom. (29), às 15h40, no Splendor Paulista; seg. (30), às 13h30 no Espaço Itaú Frei Caneca

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Fotos Divulgação Campo de refugiados no Quênia em cena do documentár­io ‘Human Flow’, de Ai Weiwei
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Reprodução/Instagram Weiwei em protesto no vão do Masp, na última quinta (19)

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