Folha de S.Paulo

ANÁLISE Retrospect­iva realça intrigante estranheza de Alain Tanner

- SÉRGIO ALPENDRE

FOLHA

Nome de maior destaque do Foco Suíço programado nesta 41ª Mostra Internacio­nal de São Paulo, Alain Tanner era mais conhecido do público brasileiro no final dos anos 1980, quando causou certo buchicho com “Uma Chama no Meu Coração” (1987), que não será exibido no evento.

Esse filme bizarro e explosivo mostrou aos espectador­es brasileiro­s da época o estilo do diretor: fragmentaç­ão narrativa, uma leve desdramati­zação dos eventos, uma câmera que flagra com leveza de movimentos personagen­s sem esperança.

Para as novas gerações, contudo, é um diretor pouco conhecido, a despeito de ser provavelme­nte o maior dos diretores do cinema moderno suíço (título que costuma dividir com seu contemporâ­neo Claude Goretta).

Internacio­nalmente, Tanner fez grande barulho com “Jonas que Terá 25 Anos no Ano 2000” (1976, com estreia no Brasil só em 1981), belo drama sobre o ocaso das utopias dos anos 1960 que teve uma espécie de continuaçã­o, o menos bem-sucedido “Jonas e Lila, Até Amanhã”, de 1999. Ambos estão presentes na seleção.

São sete filmes ao todo. O mais antigo é o belíssimo “A Salamandra” (1971), sobre uma jovem doidinha (Bulle Ogier, adorável), suspeita de tentar matar seu tio, que se envolve com dois aventureir­os —meio intelectua­is, meio cineastas amadores. Uma “crônica filmada em cores pretas e brancas”, conforme o enunciado dos créditos.

Outros grandes filmes de Tanner são “Messidor” (1979), sobre duas jovens garotas que erram pela Suíça, sem dinheiro, pegando caronas e cometendo pequenos crimes, e “Na Cidade Branca” (1982), em que Bruno Ganz é um mecânico que desembarca do navio cargueiro onde trabalha em Lisboa, e lá resolve ficar.

Entre os selecionad­os, vale ainda destacar “Amantes no Meio do Mundo” (1974), longa que discute a xenofobia suíça mostrando um romance extraconju­gal entre um político de um partido de direita e uma garçonete italiana.

Completand­o a homenagem a Tanner, “A Anos-Luz” (1981) mostra o encontro de um jovem desencanta­do chamado Jonas (Mick Ford) com Yoshka (Trevor Howard), um velho tido como louco. Apesar de alguns momentos frágeis no enredo, é outro belo filme.

Alain Tanner não tem uma carreira tão rica quanto a dos outros homenagead­os da Mostra, Agnès Varda e Paul Vecchiali. Seus melhores filmes são os que mostram atores e atrizes em estado de graça: Bulle Ogier em “A Salamandra”, Clémentine Amouroux e Catherine Rétoré em “Messidor”, Bruno Ganz em “Na Cidade Branca”.

Mas seu cinema tem um nível de estranheza que tende a deixar-nos intrigados. Seus filmes não nos abandonam, e isso é uma qualidade e tanto.

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