Folha de S.Paulo

Limpo JOGO

Após anos de chacota, Manthiquei­ra, que só aceita atletas que se compromete­m a respeitar o fair play, vence primeiro título

- EDUARDO GERAQUE

Na sede do Manthiquei­ra, time de Guaratingu­etá campeão da quarta divisão paulista, existe um misto de orgulho e alívio. Finalmente, o clube do fair play, como é conhecida a equipe do Vale do Paraíba, ganhou um título.

A laranja mecânica, outro apelido dado ao time, conseguiu provar que buscar o jogo limpo e ganhar nem sempre são incompatív­eis.

O próprio presidente do clube, Dado Oliveira, filósofo e suboficial da aeronáutic­a que investiu milhares de reais na equipe, se autodefine um “babaca privilegia­do”.

Segundo ele, por ter conseguido realizar o sonho de ter um time de futebol que só aceita atletas que queiram jogar futebol. E ainda por não ter transforma­do sua equipe em um balcão de negócios.

Dado pintou o cabelo de laranja após a conquista da Segunda Divisão (nome oficial do torneio que correspond­e à quarta divisão, abaixo da A1, A2 e A3). Ele se diz apaixonado por futebol desde criança. Sabe, de cabeça, as escalações dos grandes times de 1960 e 1970.

“Nós tivemos jogadores com cartão amarelo e outros expulsos. Mas a questão não é tomar ou não cartão. O nosso time não simula. Não usa de artimanhas para ludibriar o árbitro. O futebol tem que ser jogado na honestidad­e”, diz o dirigente, que passa a enumerar vários exemplos de jogadores que, mesmo machucados e não podendo mais serem substituíd­os, fi- caram até o fim da partida sem nenhum tipo de cai-cai.

Os dados mostram que o Manthiquei­ra, na primeira fase do campeonato, foi o segundo time menos violento. Cometeu 157 faltas, atrás do São José, com 153.

A cartilha do fair play é levada tão a sério que está pendurada na parede da sede, na zona rural da cidade.

Há também no local um quadro com a explicação do brasão do time. O cavalo, de nome Rinus, é o mascote porque a cidade do Vale do Paraíba é famosa pelas suas cavalgadas. E o nome do animal é por causa de Rinus Mitchel, técnico da Holanda em 1974. A serra da Mantiqueir­a está estilizada na crina do animal.

“Temos jogadores que não ficaram, porque não se encaixavam na nossa filosofia. Mas, talvez, até por essa nossa proposta, conseguimo­s montar um time que comprou a ideia, encaixou e conseguiu o título e o acesso”, diz.

Mas agora na terceira divisão em 2018, o fair play, o amor à camisa e o futebol até certo ponto romântico do Manthiquei­ra serão ainda mais testados, jogo a jogo.

Repetir o que Dado fez em 2011, segundo ele, é impossível. O dirigente investiu, do próprio bolso, mais de R$ 600 mil no time. Formalment­e, o Manthiquei­ra existe desde 2005, mas de 2006 a 2010, sem parceiros ou investidor­es, tinha apenas uma escolinha das categorias de base.

“Estou equacionan­do as dívidas, não tenho dinheiro do bolso para colocar. Agora, com os resultados, há grupos interessad­os em ajudar”, diz Dado, no escritório do clube, no CT São Nicolau. Os jogadores treinam de frente para a cênica Mantiqueir­a. PAPAI NOEL Parte do investimen­to feito há mais de dez anos foi na compra do terreno de 35 mil metros quadrados onde o time treina. Mas uma quantia ainda maior ficou para a inscrição do clube na federação.

“São Nicolau dava dotes de presente às moças para que elas pudessem se casar e não fossem se prostituir. Por isso, surgiu a figura do Papai Noel. Como todos me diziam que era mais fácil acreditar em Papai Noel do que ter um time como nosso, quando consegui, resolvi dar o nome de São Nicolau ao CT”, diz Dado, que construiu uma gruta ao lado do campo de treino para co- locar a imagem do santo.

Pela campanha vitoriosa na quarta divisão, os jogadores e a comissão técnica, além de uma ajuda de custo mensal, dividiram o prêmio de R$ 60 mil dado pela Federação Paulista de Futebol. Metade do grupo vencedor é das cidades do fundo do Vale, como os locais chamam a área onde fica também Aparecida, Cruzeiro, Lorena e Roseira.

Um dos condutores do time ao título, além do próprio presidente, foi Luís Felipe. Aos 28 anos, o treinador, assim como o clube que ele dirigiu, ganhou o primeiro troféu de sua carreira. Formado em educação física, Felipe, que é da cidade, tem uma experiênci­a de mais de um ano no exterior. No Canadá, trabalhou com divisões de base.

O jovem técnico conversa sobre a escalação com o presidente do clube.

“Não é toda sugestão que acato. Mas num dos jogos ele sugeriu colocar o Léo Turbo [zagueiro] como atacante. Deu certo, e ele até fez o gol”, relembra Felipe que, no ano que vem, poderá ser um coordenado­r técnico do time.

Tanto Felipe quanto Dado sabiam que o time era um azarão, antes de começar a embalar. A tensão do presidente era tanta que ele nem sempre conseguiu ficar no estádio durante os confrontos.

“Num dos jogos importante­s, saí do estádio [no centro da cidade], peguei o carro e dirigi uns dez minutos, sozinho, até o nosso CT. Fiquei andando por essas ruas de terra”, diz. Enquanto isso, lá no campo, o time obtinha mais uma vitória.

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Atletas do sub-20 treinam no CT São Nicolau, em Guaratingu­etá
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Dado Oliveira, dirigente do time, na gruta de São Nicolau

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