Folha de S.Paulo

O jogo que salvou uma vida

- MARILIZ PEREIRA JORGE COLUNAS DA SEMANA segunda: Juca Kfouri e PVC, quarta: Tostão, quinta: Juca Kfouri, sábado: Mariliz Pereira Jorge, domingo: Juca Kfouri, PVC e Tostão

A VIDA é cheia de indagações. E se eu tivesse aceitado aquele emprego? E se tivesse entrado naquele trem? Se tivesse tentado ser jogador de futebol? Acontece a mesma coisa no esporte o tempo todo. E se o Brasil não tivesse tomado uma lavada da Alemanha? E se o país tivesse bons dirigentes? E se fôssemos uma potência olímpica?

E se você pudesse provar que estava num estádio vendo seu time jogar quando uma garota foi assassinad­a e você é o único acusado? É esse o questionam­ento no documentár­io “Long Shot”, que estreou no final de setembro na Netflix, e não tem tido o destaque que merece. É um baita programa se você gosta de esportes, histórias reais e uma boa dose de drama.

Primeiro, um resumo do que você vai encontrar. Não tem spoiler, prometo. É apenas o que já foi divulgado no lançamento. Em 2003, Juan Catalan, morador de Los Angeles, foi acusado de matar uma garota de 16 anos.

Qual a chance de você se lembrar onde estava e o que estava fazendo há um mês? Catalan alegou que no momento do crime estava no estádio do Dodgers, vendo seu time tomar uma lavada do Atlanta Braves. Ele lembrava de detalhes do jogo e também o que aconteceu ao seu redor.

Com ele, estava sua filha de seis anos e os dois se misturaram à plateia de 40 mil pessoas. No mesmo dia, a HBO gravava com o comediante Larry David mais um episódio da série “Curb Your Enthusiasm”.

O documentár­io mostra como a vida de Catalan e de Larry se cruzaram no dia e como uma coincidênc­ia da vida evitou que o fã do Dodgers fosse parar no corredor da morte.

São apenas 40 minutos. Por um lado, é admirável que o diretor Jacob LaMendola tenha conseguido contar uma história como essa em tão pouco tempo. Diferentem­ente do que fizeram, por exemplo, os diretores de “Making a Murderer”, que levaram dez episódios para mostrar uma situação de certa forma similar: os detalhes da tentativa da polícia de incriminar um homem que se diz inocente.

Por outra perspectiv­a, é isso que faz falta em “Long Shot”, informaçõe­s, que podem ser encontrada­s apenas em notícias da época. Mais 15 minutos seriam bem-vindos.

Lendo os jornais que cobriram o assunto, ficamos sabendo que Catalan ficou cinco meses e meio preso. Ele pediu ao menos três vezes para que fosse submetido ao detector de mentiras, o que lhe foi negado. Ele conta na época que nunca tinha visto a série protagoniz­ada por Larry David e sequer tinha HBO em casa.

Faltou explorar os meses numa prisão de segurança máxima, em que ele afirma ter sentido medo de verdade. Não vemos a testemunha de acusação, nem detalhes de como a polícia simplesmen­te assumiu que Juan Catalan era culpado. O filme não explica o que leva os policiais responsáve­is pela investigaç­ão a dar as declaraçõe­s finais.

O documentár­io não mostra que dois dias depois que o torcedor do Dodgers foi inocentado e solto, ele voltou à prisão por um erro administra­tivo. Nas duas semanas em que ficou preso, até que o advogado resolvesse a burocracia, um preso acabou morto, o que causou uma rebelião por brigas raciais. Catalan diz que sentiu medo de morrer. E se isso tivesse acontecido, depois de tudo? E se?

Documentár­io “Long Shot” é um baita programa para quem gosta de esportes, histórias reais e drama

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