Folha de S.Paulo

O modelo da Constituiç­ão de 1988 faliu. A situação teria

- RAQUEL LANDIM

DE SÃO PAULO

Filho de pai francês, Patrice Etlin pode ser considerad­o o tão famoso “investidor estrangeir­o” por excelência. Ele comanda a operação na América Latina do fundo de private equity Advent Internatio­nal e já investiu R$ 16 bilhões em empresas na região.

O executivo, porém, nasceu no país e como brasileiro diz que a sociedade se desinteres­sou do “circo” de Brasília. Na sua visão, existe hoje uma “separação clara” entre a crise política e a economia e o mercado de capitais, que vive uma fase exuberante.

Ao contrário dos seus pares, não se assustou com a Lava Jato e avalia que as investigaç­ões trouxeram oportunida­des de novos negócios. “Não sejamos ingênuos. Agora a ferida está aberta, mas a corrupção sempre existiu”, disse à Folha. Folha - As eleições presidenci­ais do ano que vem prometem ser a mais disputadas desde 1989. Isso afasta o investidor estrangeir­o?

Patrice Etlin - Temos uma exuberânci­a na Bolsa brasileira e o real está estável, apesar das notícias de Brasília. Isso ocorre porque existe muita liquidez no mundo e o dinheiro está vindo para cá. O que vivemos hoje no Brasil é uma separação clara entre a crise política de um lado e a economia e o mercado de capitais de outro. Estamos anestesiad­os em relação a esse assunto, seja a briga entre STF e Senado, seja a segunda denúncia contra o Temer. Todo esse circo montado em Brasília quando todo mundo sabe qual vai ser o resultado. A sociedade se desinteres­sou disso. mínima da Previdênci­a, já está bom. É óbvio que vai ter volatilida­de no ano que vem e discursos inflamados, mas tenho uma visão pragmática do que pode ser feito pelo novo ocupante do Planalto. E qual é a visão?

O dinheiro acabou. O Estado brasileiro não tem capacidade de investir e mal consegue pagar suas contas. Qualquer um que sentar naquela cadeira vai ter que fazer as reformas. Se for um governo com uma agenda pró-mercado, poderemos ter um círculo virtuoso rapidament­e. Se for uma administra­ção de esquerda, poderá demorar mais, mas vai chegar no mesmo lugar. O liberalism­o está ganhando mais espaço no Brasil, um país com uma tendência estatizant­e. O senhor acredita que essa mudança veio para ficar? estourado no colo de qualquer um que estivesse no governo. Obviamente a Dilma conseguiu piorar as coisas, mas o problema era estrutural. Esta crise mostrou para a sociedade que é um erro insistir nessa dependênci­a do Estado provedor. As pessoas sofreram muito com isso. Houve desemprego e perda importante de qualidade de vida nos últimos anos. Existe hoje no Brasil mais abertura ao modelo liberal. O maior exemplo disso é a privatizaç­ão da Petrobras, que hoje é discutida de maneira aberta. O IPO da BR Distribuid­ora está acontecend­o. Esse dinheiro que chega ao Brasil é de curto prazo ou já existem investidor­es estratégic­os retornando ao país?

Esses recursos são de curto prazo. A Bovespa está batendo toda semana seus recordes em reais, mas ainda estamos um pouco abaixo do recorde em dólares. O investidor estratégic­o também começou a chegar. Acabamos de vender nosso porto para o segundo maior grupo chinês [a China Port comprou 90% da TCP, que opera terminais de contêinere­s em Paranaguá por R$ 2,9 bilhões]. É claro que alguns investidor­es que tomam hoje uma decisão para os próximos 30 anos podem esperar para ver o que vai acontecer em 2018, mas o momento é muito oportuno para entrar no país. Oportuno?

Temos empresas muito endividada­s por causa da Lava Jato e da crise, o que abre oportunida­de de aquisições interessan­tes e, ao mesmo tempo, possuímos um mercado exuberante de capitais. Estamos comprando e vendendo muito bem. Normalment­e essas coisas não vão juntas. Enfim, vivendo um ano esquizofrê­nico: compramos participaç­ão em quatro empresas no primeiro semestre (quantiQ, Estácio, Easynvest e Menil) e vendemos nosso porto, saímos do laboratóri­o Fleury, abrimos o capital da farmacêuti­ca Biotoscana. Na sua avaliação, quais são os riscos para a retomada da economia brasileira?

No curto prazo, o maior risco é externo. Se a economia americana tiver uma retomada brusca e os juros dos Estados Unidos subirem mais do que o mercado antecipa, o dinheiro migrará para lá e o real vai depreciar. O ambiente externo está novamente benigno para os países emergentes e o Brasil —bem ou mal— continua nesse meio. Mas, se essa liquidez voltar para o seu porto seguro, o país vai enfrentar uma corrida de capitais numa situação mais frágil. Ainda temos deficit fiscal e estamos muito longe de arrumar nossas contas. As investigaç­ões da Operação Lava Jato revelaram uma enorme rede de corrupção no país. Como isso afetou a percepção dos estrangeir­os?

Não vamos ser ingênuos. Agora a ferida está aberta, mas a corrupção sempre existiu. A maneira como lidamos com isso é que nunca adquirimos empresas em que o governo era o principal cliente [o que poderia exigir pagamento de propina para obter contratos]. Se a companhia obtém mais de 10% de sua receita com o governo, incluindo estatais, nem avaliamos. Perdemos várias oportunida­des com empresas que vendiam para a Petrobras ou atuavam na construção civil. Não dá para fazer negócio com o Estado?

Tivemos experiênci­as muito boas em setores regulados pelo governo, mas cujo cliente final é privado: portos, Cetip, Dutyfree. Nesses casos, a empresa paga uma parcela da renda para o governo em vez de receber dele, o que faz uma enorme diferença. Mas nas “due dilligence” das empresas, sempre fizemos checagem das melhores práticas com empresas de investigaç­ão como a Kroll, porque temos de obedecer o Foreign Corrupt Practices Act [lei que pune empresas com negócios nos EUA e pagam propina no exterior]. A percepção geral do mercado, no entanto, é que a Lava Jato assustou os estrangeir­os. Qual é a sua avaliação?

É claro que muitos investidor­es estratégic­os e até outros fundos recuaram. Hoje temos menos competição, apesar da atual exuberânci­a do mercado de capitais. Para a Advent, que está no Brasil há 20 anos, A Advent está no Brasil desde 1997. O que mudou no país nesses 20 anos?

Voltei ao Brasil em 1994 após fazer MBA na França. Tinha propostas para trabalhar lá, mas resolvi apostar no Plano Real. Abri o escritório da Advent no país em 1997. Apostamos que o mercado de capitais ia se desenvolve­r, mas levou dez anos. Entre 1994 e 2004, tivemos quatro IPOs [oferta pública inicial de ações] na Bolsa. Entre 2005 e 2008, foram cerca de 150. A mudança que propiciou esse salto foi a regulament­ação do Novo Mercado. A governança das empresas avançou. O empresário entendeu a importânci­a de ter as contas em ordem para abrir capital ou receber dinheiro dos fundos. Isso gerou um círculo virtuoso, com empresas maiores e mais capitaliza­das, gerando mais emprego e pagando mais imposto.

Não vamos ser ingênuos. Agora a ferida está aberta, mas a corrupção sempre existiu Estado mal consegue pagar suas contas. Qualquer um que sentar naquela cadeira vai ter de fazer as reformas Esta crise mostrou que é um erro insistir nessa dependênci­a do Estado

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