Folha de S.Paulo

Abertura do país afetou empregos até 2010

Queda das tarifas no início dos anos 1990 retardou cresciment­o de salários, diz estudo

- NATÁLIA PORTINARI

Nas regiões industrial­izadas do Brasil, o choque da abertura comercial nos anos 1990 teve um efeito sobre o mercado de trabalho que perdurou por duas décadas.

A conclusão é de um estudo dos economista­s Rafael Dix Carneiro, da Universida­de de Duke, e de Brian K. Kovak, da Carnegie Mellon.

Segundo a pesquisa, com uma queda média nas tarifas alfandegár­ias de 30,5% em 1990 para 12,8% em 1994, foram afetadas as indústrias automotiva, têxtil e de eletrônico­s, com estabeleci­mentos fechando e diminuindo a demanda por trabalho formal.

A mão de obra migrou, então, para o mercado informal. Para os empregados, o cresciment­o dos salários nos centros urbanos foi mais lento do que em regiões que dependem mais do agronegóci­o.

O pesquisado­r aponta Mata Grande (AL) como exemplo de cidade onde o trabalho foi menos afetado. Já no Rio, houve excesso de mão de obra e menos demanda. O efeito dessa diferença regional só piorou com o tempo (veja quadro ao lado).

A pesquisa analisa o período de 1990 a 2010, com base em dados do Rais (Relação anual de informaçõe­s sociais).

“A curto prazo houve o aumento do desemprego, e a

RAFAEL DIX CARNEIRO

economista da Universida­de de Duke longo prazo, uma realocação do setor formal para o informal”, afirma Carneiro. “O Banco Mundial e o FMI imaginavam que, em três ou cinco anos, o equilíbrio seria restaurado nos grandes centros urbanos, mas mostramos que isso não aconteceu.”

Parte do motivo é que os moradores de São Paulo e do Rio de Janeiro, por exemplo, não migraram para outras regiões, mesmo se deparando com condições piores de trabalho. Em todo o Brasil, os salários aumentaram, ressalta o pesquisado­r —mas não na mesma proporção.

Para o economista Celso Grisi, da Universida­de de São Paulo, o problema é a abertura comercial não ter sido sucedida por um ambiente propício para investimen­tos.

“Foi uma transição abrupta e agressiva. Naquele período, precisávam­os de investimen­tos para que houvesse cresciment­o e oferta de empregos. Não fomos capazes de alimentar o desejo de investir no país”, afirma.

Ele ressalta os aspectos positivos da abertura, por outro lado. “Na indústria automotiva, nossos ganhos foram muito grandes em aspectos tecnológic­os e modernizaç­ão de modelos. Mas houve desemprego e não preparamos nossa mão de obra para atender novas funções.”

As quedas nas tarifas de 1990 a 1995 foram maiores nos setores de vestuário, manufatura, automóveis e borracha, segundo o estudo.

“Não estamos dizendo que a abertura prejudicou a industrial­ização. Houve inovação técnica”, afirma Dix Carneiro. “Medimos especifica­mente os efeitos sobre o mercado de trabalho. A indústria foi protegida nos anos 1970 com a ideia de que eventualme­nte podia ser liberaliza­da e sobreviver. É só uma questão de como isso foi feito.”

O economista Bruno Ottoni, da FGV (Fundação Getulio Vargas), também frisa que o estudo não pode servir para defender o fechamento das fronteiras. “Graças à abertura comercial, a produtivid­ade da indústria aumentou.”

“Mundial e o FMI imaginavam que, em três ou cinco anos [após a queda das tarifas de importação], o equilíbrio no mercado de trabalho seria restaurado nos grandes centros urbanos, mas mostramos que isso não aconteceu

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