Folha de S.Paulo

A vitória de Abe

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Movido pelo senso de oportunida­de, o primeiro-ministro do Japão, o conservado­r Shinzo Abe, antecipou as eleições e conseguiu manter os dois terços de controle da Câmara Baixa, equivalent­e à Câmara dos Deputados brasileira.

Com 313 cadeiras (de 465) assegurada­s por sua coalizão no pleito de domingo (22), Abe, no poder desde 2012, habilita-se a mais quatro anos no cargo. Se os cumprir, virá a ser o mais duradouro premiê do país desde a Segunda Guerra.

A base renovada lhe dá força para o que mais ambiciona: alterar o artigo da Constituiç­ão japonesa que proíbe a declaração de guerra contra outro Estado e o uso da força para resolver disputas.

Para seus apoiadores, a legislação, uma imposição americana ao derrotado Japão no pós-guerra, não faz mais sentido ante o cenário de tensão militar em torno do país. A saber, a crescente ameaça da Coreia do Norte, cujo regime tem comprovada capacidade de lançar mísseis em solo nipônico.

A revisão constituci­onal requer o apoio das duas Casas, nas quais o premiê tem maioria, mas também aprovação por referendo. Mas eis aí o aspecto paradoxal do gover- no: o sucesso nas urnas não significa exatamente popularida­de.

Recente pesquisa apontou que 51% dos japoneses não gostariam de ver o premiê mantido no cargo. O voto no governismo se deu mais pelo esfacelame­nto da oposição, aproveitad­o por Abe —em contraste com a líder britânica Theresa May, que empregou o mesmo estratagem­a e acabou por perder o controle no Parlamento.

O tema da militariza­ção também divide a sociedade. As últimas sondagens indicam que metade apoia a mudança do papel das Forças Armadas. A outra parcela teme que isso possa ser entendido por potenciais rivais da região, casos de China e Coreia do Norte, como estímulo para se armar ainda mais.

No entanto, a despeito de escândalos de suposto favorecime­nto a empresário­s —cuja monta provocaria risos se comparada às de malfeitos da política brasileira—, o premiê tem demonstrad­o habilidade para sobreviver à movediça realidade política do Japão, até por já ter sido vítima dela.

Afinal, entre 2006 e 2012 o país teve seis líderes. Uma dessas breves passagens foi justamente de Abe, ceifado pela baixa popularida­de.

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